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Mostrando postagens de dezembro, 2018

Alma penada- Renê Paulauskas

A alma do teatro hoje não estava na peça. Estava bebendo uma cerveja no subsolo próximo aos banheiros, onde a encontrei antes de ir embora. Voltando do banheiro o estranho me perguntou: ---Vocé sabe se quem tomou injeção da dengue pode tomar cerveja? Tomei ontem e estou com uma dor de cabeça. .---Se está com dor de cabeça é melhor não beber. ---É que estou tentando me matar! ---Risos. A alma do teatro estava ali, o tempo todo, escondida no subsolo.

Turbilhão- Renê Paulauskas

Olhos desviados por um turbilhão de ideias. O que passa na sua cabeça? O livro estava aberto, antes era prosa, agora é poema. Desligaram a luz do banheiro, é hora de ir embora. A moça que prometeu passar seu telefone, já foi embora. E eu aqui, sem jeito, tentando me recompor, achar alguém pra conversar. Mas estão todos ocupados, nessa festa não fui convidado.

Pedaço de carne- Renê Paulauskas

Os mortos do passado encomodam, porque estão vivos. Matamos nossa relação, mas as memórias nos comem devagarinho. Se misturam aos que estão vivos em nossas mentes, mesmo depois de mortos. Mortos vivos, vivos mortos, e caminhamos como zumbis atrás de um pedaço de carne.

Palhaço- Renê Paulauskas

Me puxa, palhaço! Palhaço cansado que ninguém pergunta se está bem ou se está triste. Fazendo a festa dos outros, esquecendo da sua. Tapando as olheiras com alegria. Descansa palhaço, hoje a tarde é sua. Fica na cama de cara suja. Dorme, palhaço. Dorme que no sonho te encontra no espelho. E verás que teu riso, por trás da máscara, é mais singelo que o riso das crianças.

Deus animal- Renê Paulauskas

Quero dizer que não sou perfeito. Quero dizer que de perto ninguém é perfeito. Pois por mais que tentemos controlar nosso eu, alguma coisa animal se sobrepôe a dizer: "não somos Deuses, ainda. Não somos Deuses, ainda". E esse canto que povoa nossas mentes é maior do que grito ancestral: "Sou um Deus animal!".
O homem, esse ser universal. Sou eu, mas só parte. Animal travestido de humano. Racional, social, emotivo. Se perde quando se sente vivo. Se assusta quando vira bicho. Usa a razão tentando encontrar o erro cometido. Meio deus, meio animal, essa é a nossa natureza. Fugindo dos instintos básicos mais violentos, buscando o equilibrio com um pé no divino, estou eu.

Aniversário- Renê Paulauskas

Eu não morro, vivo a esperança. Nesse sonhar mais de criar do que alcançar. Assim vou vivendo, morrendo aos poucos, devagar. Até que me veja só, sem sonhos, esperanças, descrente de tudo, de todos. Enquanto, ainda sonho, cada vez menos, cada vez menos.

Décadas- Renê Paulauskas

Aos dezoito era rei, pensava que conseguiria tudo com um pouco de esforço. As coisas não foram bem como pensei, mas tive uma vida até os trinta. Os trinta foram um deserto em minha vida. Me esforçava para sair da aridez e entropia das coisas, mesmo assim foram anos escassos de um pouco de tudo. Que me reserva os quarenta? Mal consegui viver bem os trinta, espero alguma melhora que faça-me voltar a andar. Aliás, andar, isso tenho feito bastante.

Quatro séculos- Renê Paulauskas

Agora que vou fazer quarenta anos, a sensação é de vivi quatro séculos. Vi a guerra entre os homens e as máquinas; Jesus voltar a terra para libertar a humanidade; Demonios tomarem o planeta gerando suicídios. E desaparecerem todas as ilusões.

Máquinas- Renê Paulauskas

O ser humano é uma máquina falha que foi criada pra não revelar a verdadeira natureza das coisas. Hora é sua limitadora capacidade conectiva, hora a falha em sua memória. Enquanto isso, os dados de nossa pesquisa mudam o tempo todo, como mágica. Somos ultrapassados, os únicos que tem chance de sucesso agora, são os super computadores.

Teia- Renê Paulauskas

Não tem gente no mundo, nem mundo. É como uma ideia que se molda aos nossos impulsos. Estamos presos, pensando sermos livres. Livres nessa jaula invisível que se chama pensamento. E os tentáculos da aranha se aproximam.

Diletante- Renê Paulauskas

Diletante incerto, com raiz no infinito. Corre o mundo vasto, sem dobrar os joelhos. Colhe as flores mais falsas, dando voltas em círculos. Define sua meta como Quiron, sem muita sorte. Te acha, febril, febril andarilho! Transeunte será, se não te achares. E procuras, sempre apaixonado, mas te aprofunda. Mesmo que teu interesse mude, sonhe com os pés no chão!

Aparências- Renê Paulauskas

Rostos conhecidos me olham feio. Feio por te-los deletado de meus contados. Deletados por não tê-los conhecido além das aparências. Aparências essas que são entendidas como feias ou bonitas aos olhos de quem não vê com profundidade. Profundidade que só se consegue com poucos.