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Mostrando postagens de fevereiro, 2022

Ratoeira- Renê Paulauskas

 Ratoeira, modo horrível de matar um ser vivo. O induzindo pela fome a pegar um pedado de queijo é pego e esmagado sem dó. Gatos são mais eficientes, também levados pela fome, matam dentro de sua cadeia alimentar, não como nós, que matamos tudo a volta só para nos sentirmos limpos.

Riso- Renê Paulauskas

 A flor do seu abraço. Ar fresco. Distração, tempo voa. Frutas, novidade. Riso, coração. Renovado.

Ventilador - Renê Paulauskas

 Um ventilador, o tempo Uma formiga atravessa A lua cheia, preguiça  O rio negro desaparece

Churrascaria-Renê Paulauskas

 Depois de estar há quase dez anos trabalhando como caricaturista fui contratado por uma empresa de telefonia para fazer eventos em congressos e hotéis por quase todo o país por seis meses. Estava eu com vinte e nove anos. Ficava nos melhores hotéis, comia a comida mais cara, cheguei a ficar até com problemas dentais de tanto frequentar as churrascarias de cada cidade onde ficava hospedado.  Quando terminou o trabalho quis levar minha família também numa churrascaria. Pegamos o carro, minha mãe, minha avó, minha irmã e eu e começamos a rodar pelos arredores aqui da Lapa em São Paulo. Entramos em uma, sentamos. Mas fiquei meio descontente por não ser uma churrascaria do padrão das que havia comido Brasil a fora. Foi então que minha avó olhou pra mim e disse: ''O Renê tem uma cara de pobre''. E todos rimos, não só da pérola dita por minha vó, como da situação. 

Paredes descascadas- Renê Paulauskas

 Canos de vassoura, baldes velhos com coisas pra jogar fora, rachaduras no chão. Essas coisas acho que aparecem na maioria das casas pobres, sempre que as encontro percebo que estou numa. Nós pobres não perdemos tempo olhando essas coisas. Tem coisas que até arrumamos, como jogar o balde de coisas velhas no lixo ou até comprar vassouras novas, mas algo como a rachadura do chão é mais difícil de tapar.  A primeira vez que tentei impedir alguém de ver a situação da minha casa, era criança. O chão da cozinha estava caindo, as paredes criavam desenhos através de várias camadas de tinta descascadas.  A segunda foi com uma colega de faculdade, que depois de muito insistir, ao ver a goteira interminável da varanda como infiltração, não quis entrar. Depois reformamos, ficando apenas uma terna rachadura no piso da cozinha, para nunca esquecermos quem somos e nos diferenciar de todos aqueles que não queiram se misturar com pessoas como nós, que vêem imagens de coisas, como seres e figuras em par

Vozes- Renê Paulauskas

 Uma voz sem voz, uma voz marginal. Como a dos negros, dos pobres, dos doentes mentais. Que dizem coisas, dores, que ninguém quer ouvir. Que os brancos, bem nascidos, racionais não querem escutar. Esses mesmos que são racistas, exploradores e normais. Desumanos e imorais.

Fama - Renê Paulauskas

 Moscas. Devem ser moscas o que aparece depois de se fazer sucesso, milhões delas. São olhares fixos, espantados e pessoas prontas para arrancar pedaços.

Pastel- Renê Paulauskas

 Algo acontece quando se vai  chegando numa certa idade. As roupas são cada vez mais discretas, como se fossem perdendo a cor e sua voz antiga, a da juventude. Dão lugar a um pastel pálido e sem vida. Mas o pior não é a roupa, é a falta de vida que vestimos como se fosse natural. Com o tempo a perda da juventude, da beleza se juntam a uma vida apagada e sem graça.

Refúgio - Renê Paulauskas

 Era muito quieto, muito calado. Andava olhando pro chão. Até que floresceu violento, rindo, falador. Mais forte, confiante, vivo! E assim namorou mulheres, viajou sua terra, fez amigos. Agora, vinte anos depois, estava só. Já não tinha a mesma força nem autoconfiança. Queria um refúgio tranquilo, sem precisar brigar. 

Fugiu- Renê Paulauskas

 A poesia fugiu Calou as bocas das pessoas  Mal o sol nascia já era noite A lua subia já era dia Algo nascia e morria Velho se era desde novo Novo também mesmo velho  Mas sem memória  Assim nem velho nem novo Tudo se era sem nada ser A flor abria e já fechava A lua nova, a lua velha Nada se escrevia Pois nada importava Nem rimava  O rio tudo levava O vento que dispersava O nada tudo esbarrava  E nesse silêncio  Morri a vida.