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Mostrando postagens de janeiro, 2023

Tortura- Renê Paulauskas

´´Não tenho ar, o ar não chega...´´ Essas eram as palavras de Roberto, que se achava sortudo num mundo ingrato, agora se dava conta que sua dor o cavava por dentro a ponto de o sufocar. Morreu naquela tarde quando os policiais à paisana levaram-no de sua casa. Voltou duas semanas depois morto. Morto-vivo. Sem pés, sem mundo, sem chão. Não confiava mais em ninguém, mas pensava. E como pensava, existia.  Das paredes descascadas, começou a enxergar seres. Dos ruídos de madrugada, música. Escrevia o que passou a brotar. Foi povoando seu deserto como pode. Foram dias, meses, anos e até que ficou um mundo habitável, onde ele escolhia pessoas a dedo para habitarem junto com ele. Começou a trabalhar com arte, fez vários colegas, alguns amigos. Namorou uma musicista, que depois de um ano e meio engravidou e foram morar juntos. Foi um ótimo pai. Separou, conheceu outras mulheres...  Mas naquela noite não conseguia dormir. Aquela sala, aquele dia... Aquele choro, aquela noite... Nunca saiu dele.

Chipanzés (micro-conto) - Renê Paulauskas

Vivia entre aqueles que pouco lhe davam e aqueles que escolhia por perceber neles frutos ainda não experimentados. Pouco saia, vivia mais em casa, adorava televisão. Trabalhava pouco, muito pouco mais recentemente. Gostava de viajar, mesmo que fosse dentro da própria cidade. Conhecer pessoas novas, novas conversas, era um festeiro. Envelhecia a cada ano, se achando cada vez mais sem sorte com saudade da juventude. Antes um otimista, agora na meia idade, inclinava-se a um realismo baseado na descoberta recente do maligno aspecto da espécie humana de um modo geral. Pensava, às vezes demais. Meditava, também. Via beleza nos pássaros que frequentavam seu pequeno jardim, nos frutos doces de suas árvores, nas crianças de modo geral...  Se sentia mais fraco que o mundo, mas se fortalecia escrevendo e compondo músicas. Era evidente que este mundo estivera sempre do lado errado. Do lado da força, do poder, do dinheiro, da ganância. Mas o que deixava seus pesadelos mais vivos, era a percepção qu

Existe! Renê Paulauskas

 Sim, existem limites. Mas quero quebra-los. Dentro e fora de mim. Correntes que sinto, correntes que prendem. Sim, existe um caminho. De se transportar pro outro. O caminho da troca. O contato estabelecido se espalha. Existe o mundo. Mas ele gira, mais rápido do que podemos acompanhar.  Existe o sonho também. Outro guia pra nos levar.

Quase avatares (conto) - Renê Paulauskas

 Os dois largaram seus avatares de lado depois de quase um ano de interações via meta-verso e foram se conhecer pessoalmente.  Tiveram um susto inicialmente, mas logo se reconheceram pelos mesmos gostos e vontades explícitos em conversas e jogos pela rede. Começaram a beber naquela tarde de domingo, deram uns tragos num cigarro de maconha, a conversa deslanchou como um rio que se inicia raso e termina caudaloso já lá pelas tantas.  Ele levantou para se despedir, ela disse: "Fica!" L he roubando um beijo. Foram subindo as escadas em meio a beijos e apertos até chegarem num quarto pequeno.  Tiraram suas roupas num alvoroço e pela primeira vez viram  seus corpos nus. Ele, antes um avatar alto e musculoso, um corpo magro e delicado. Ela, grande e robusta, já não precisava ser linda e magra, segurando o corpo dele com vontade, sentindo sua epiderme que arrepiava.  O  rapaz, virgem, pelo menos de relações reais, ofegante e animado, até ela perder o controle e arranhar suas costas,