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Mostrando postagens de junho, 2021

Sonho- Renê Paulauskas

 O sonho me assustava e acordava no meio da noite. Era um aluno dentro da classe. De repente tudo começou a levitar, as carteiras, os alunos, e bati uma foto. No segundo depois entreguei a prova pro professor com aquela foto. Saímos no intervalo, fomos à praia, mas não podia entrar no mar, estava de cueca. Quando voltamos o professor me cumprimentou dizendo que tirei dez. Fiquei apavorado e de longe disse que tinha tirado zero.  Acordei assustado. Com a sensação ainda muito real do sonho. O medo do desatino. Voltar a surtar. A sensação de as coisas aconteciam por minha vontade, ou da minha cabeça. Mas depois voltou tudo ao normal. Sonhos são assim mesmo. 

Bolor- Renê Paulauskas

 Bolor, esse fruto deveria ter sido mordido vinte anos atrás. A moral sufoca a vida, essa não perdoa. Ou não, não teria sido mais que a beleza da fruta por si mesma. E a separar das outras, simples escolha. A fome faz lembrar daquilo que rejeitamos. E agora já é um fruto velho. Que desperdício.

Buraco negro- Renê Paulauskas

 Existe um buraco negro dentro de mim. Por isso componho, escrevo, desenho e às vezes até faço humor. Quando digo buraco negro, não confundir com depressão, é mais uma bomba atômica, ou todas juntas aniquilando essa coisa que se chama vida. Por isso tenho outro lado. O que não mata o inseto, que reza, que sonha. Que acredita num mundo mais justo, menos desigual. Que ama os amigos, a família, os iguais. Que acredita no amor. Para que eu não me torne nesse buraco negro, que quer tudo engolir.

À grande deusa - Renê Paulauskas

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Do alto- Renê Paulauskas

 O burguês joga pedras do alto de seu prédio no telhado da casa pobre do seu vizinho sem se preocupar com nada. O rico tudo tem, direitos, polícia, liberdade. O pobre nada tem, a não ser a fé. Se segura nessa corda bamba com rezas, pedidos, prometendo graças, confiante da vida, sorrindo pra ela. Até que um tiro certeiro te atravessa. E toda molhada no chão desfalece. O tiro certeiro do guarda. Tão certeiro como o lixo do burguês jogado de sua janela. Morre seco, sem direitos, sem liberdade. Vive o porco burguês de sua janela. Removem o corpo, está tudo limpo mais uma vez. Joga o lixo mais uma vez.

Ciência - Renê Paulauskas

 

Falta de ar- Renê Paulauskas

 Nessa pandemia, a falta da rotina da vida de antes, o confinamento e estreitamento social, acirra os surtos e delírios como um desvio de percurso procurando ar. A ansiedade aumenta, as possibilidades de extravasar diminuem. Surtos, depressão, delírio, Ansiedade. Tudo num caldo de mundo apocalíptico, quase sem brechas pra respirar. A catarse se faz no exagero, no descontrole, na imaginação. Ou morre na falta de ânimo, perspectiva. O novo normal é ser esse monstro. Esse ser adoentado com sequelas desse tempo louco em que nos encontramos. 

Galã- Renê Paulauskas

 

Surto psicótico - Renê Paulauskas

 

Despedida- Renê Paulauskas

 Me despedi da minha mãe e fui dormir no quarto que era do meu avô. Acordei no meio da noite com um som de um cachorro gemendo. Sabia que não podia ser um bicho de carne e osso, parecia mais um espírito, e tentei voltar a dormir um pouco assustado. Pouco depois senti como uma lambida gelada nos dedos do meu pé esquerdo, que coçam sem parar, desde aquele dia em que terminei com Astrid depois de perceber que eu era seu amante e há ter chutado e quebrado o dedo indicador do meu pé. A lambida fria parecia do meu antigo cachorro Tony, mas quando senti na virilha, lembrei da Astrid. Pensei que depois de todos esses anos, com coceira e sem mulher ela estaria lambendo minhas feridas para eu recomeçar. Realmente, depois dela, nunca mais tive relacionamento com ninguém, isto é, ninguém que fosse casada ou comprometida. No final ouvi ela dizendo alto com a voz da minha mãe: ''Engraçado, Paulo!''