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Mostrando postagens de outubro, 2019

Telhado de vidro- Renê Paulauskas

Derrepente as pessoas parecem estranhas. Uma mancha às escurece e sinto medo de sair à rua. Todos parecem perigosos, como eu. E o que ganho com isso, além de desconforto? Ninho de cobras. Rezo para me aliviar, depois penso, que atire a primeira pedra quem não tem telhado de vidro.

Sofá- Renê Paulauskas

Eu fui louco, mas um louco cosciente. Nunca perdi a razão, a ampliei até onde pude, aproveitei ao máximo cada abertura de cosciência afim de me tornar mais sábio quem sabe. Assim, descobri coisas, segredos, que nínguém acreditaria. Por isso mesmo parei de contar. Mas não deixei de acreditar, fui só parando de falar. Depois, de bastante tempo, fui me acomodando no sofá, com todos os móveis em volta, a TV ligada, e fui parando de sonhar. O mundo envolta foi solidificando, de fora pra dentro até a sala e fiquei preso no sofá. Quando vi já era tarde, tornara-me preso de um pesadelo criado por mim para acordar. Despertara no pior momento que o mundo estava, mas levantei-me do sofá.

Passagem- Renê Paulauskas

Viver com intensidade é viver um dia intensamente e descansar duas semanas. É mais, alcansar os céus, e passar mais de uma década em expiação por desvendar o proibido. Que esse mundo é muito careta, cheio de regras, mesmo que não as veja. De certo modo tem um sentido: O de dar reintegração física e espiritual aos que estão aqui de passagem.

Alguém- Renê Paulauskas

Abri as portas, deixei o ar circular. Tudo estava limpo, até o ar. Respirava, entrava e saia vida. E à meia luz fui me acalmando. Tudo por causa dela, que elgiou o meu poema. É incrível como a vida pode vir de onde menos se espera. Mas não a conheci, trocamos poucas palavras. Amigos em comum, pintora como, logo fui embora. Não era ela, mas sim o toque de quem tinha sido tocada, justo o poema solitário.

Frankeinstein- Renê Paulauskas

Junte a sabedoria de um louco, que sabe as coisas do mundo, mas se cala pra não ser encarcerado, à consciencia maternal da mulher brasileira, mulher que foi abandonada pelo pai da criança, que criou o filho sozinha, só com o apoio de outra mulher, sua mãe. E tudo isso à resistência do jovem negro, que sempre lutou desde tempos de escravidão, hoje resiste ao preconceito se virando como pode, na maioria das vezes longe das estruturas da elite e classe média branca. Juntá-se tudo isso, dá um perfeito revolucionário. Um Frankeinstein revolucionário! Imagine agora um exêrcito deles.

Normal- Renê Paulauskas

Dentro de mim há vários. Às vezes um estribilho vem de dentro, como uma voz, mais rouca, meio assustadora. Mas como ela vem ela vai. E tudo continua normal.

Estera- Renê Paulauskas

Cansado de sair por sair. Ir em saraus desconhecidos, beber em bares conhecidos, e no final, voltar quase sempre meio vazio, sem novidades. To me poupando pra algo que valha mais a pena. Cansado de correr em estera.

Envelhecendo- Renê Paulauskas

Envelhecer é um processo natural. Os homens vão criando barriga, as mulheres perdendo a cintura. Quando se tem filhos e eles começam a chegar à vida adulta, fica claro que já não somos tão jovens. Mas continuamos vivendo. Sentindo, errando, buscando. Esse é o processo natural e saudável de envelhecer.

A vida- Renê Paulauskas

A vida é assim: às vezes um peso quase maior do que dá para carregar. Até que tudo começa a dar certo, uma beleza! Daí, tudo voltou ao normal e o negócio é seguir enfrente.

Espelho vazio (filosófico) - Renê Paulauskas

Um solitário na multidão é mil vezes mais solitário de quem está em casa, tranquilo. A falta de contato se multiplica em cada não contato. E reflete um vazio que é maior ainda, o vazio da grande cidade. Esse buraco é dilatado por onde passa o transeunte refletido em outro, anônimos como ele. Imprimindo o vazio do não relacionar-se em sua face frente ao espelho.

TV- Renê Paulauskas

Não aguento mais conhecer o mundo pelo Globoreporter. Melhor ir até Sapopemba pela TVT. Ou passar o domingo na TV Cultura. Como TV é importante na terceira idade. Pelo menos escrevo quando ela está desligada.

Descansar- Renê Paulauskas

Melhor ficar em casa, descansar. Deixar passar todo mal estar. Aproveitar que hoje não tem lua nem sarau.

Sangrando- Renê Paulauskas

Sei que ainda é cedo para sair, que deveria antes cicatrizar os ferimentos, repousar. Mas a sede de viver é muito grande. Prefiro viver sangrando que morrer em vida.

Lutar- Renê Paulauskas

Quando vejo defeito nos outros, me afasto. Quando vejo em mim, me calo. Ninguém é perfeito eu sei. Porém, é preciso se afastar do pior, fazer de tudo para melhorar. Ou, se não, não há motivo pra continuar.

Recomeço- Renê Paulauskas

Depois da enchente me mudei pra uma casa menor. Móveis só os necessários. Os potes vazios, as roupas que não usava, joguei fora. Levei só o estreitamente necessário e alguns itens que admirava. Para um recomeço até que está muito bom.

Pote- Renê Paulauskas

Vazio, opaco, rachado. Nosso pote quebrou. Mas quebrou com o tempo. Foi perdendo a cor, com o tempo ficou vazio, paciência. Que venham outros potes. Cheios e coloridos. Na vida existem muitos. Tantos, a ponto de ser injusto se importar com aqueles sem vida.

Mancha- Renê Paulauskas

Minha mão está manchada, é preciso cortá-la mas não tenho corágem. Antes, meus pés foram manchados, suas solas tingidas de um preto que por mais que andasse descalço não saiam nem que as esfregasse com força. Meus pés foram tingidos muito cedo, sem que precisasse. Desde cedo luto, e não passa. Já lutei com quase todos que me mancharam os pés. Mais altos, mais fortes, mais velhos. No caminho dei socos até em quem amei um dia. Hoje estou mais velho, velho pra lutar. Tenho que aprender outra maneira de brigar. Mais calmo, menos impaciente, mas ainda de solas dos pés encardidas, me controlo, pra não ser eu a manchar os pés de outra pessoa. Mas é difícil, é uma coceira constante.

Real?- Renê Paulauskas

Esse mundo artficial e programado às vezes parece incrivelmente real. Não importa quantas vezes tenhamos girado a roda, chegando nos mesmos caracteres e símbolos dentro de nossos circuitos, é uma sensação nova, única, pelo menos assim parece. Esquecemos de tudo e por poucos segundos, vivemos.

Amanhecer- Renê Paulauskas

Quando vivo não preciso escrever, basta gente viva como eu. Pra fazer tudo que o bicho homem pode. Tocar, falar, tocar. E o que transmite de eletrecidade, este contato E que tudo o mais desabe, toda estrutura decomposta, todo sistema falido. Mesmo em um gesto perdido num amanhecer, num sábado qualquer. Só pra dizer, estou vivo, e nada mais preciso.

Madruga- Renê Paulauskas

No meio da noite todos gatos são pardos. Janelas dão em portas, portais da madrugada. A novidade tira o sono, desperta a alma. Serenidade é fundamental nessas horas. Viajamos através das pessoas, seus mundos, nossos espelhos.

Sarau- Renê Paulauskas

Dispersos olhares gazosos. Obliquos, ligeiros, individuais. Até acender a fogueira. Focados no som, envolta o silêncio. Filhos, querendo peitos e leite etílico. Ares gazosos, de fumo e de cores. Mas no quarto ao lado, dorme uma criança morta.

Pomba- Renê Paulauskas

A pomba morta na entrada de casa não era um presságio, nem um avizo, era ela, a própria pomba, que não conseguiu voar, não conseguiu fugir, em pedaços, penas, víceras, membros espalhados.

Sonho-Renê Paulauskas

Sou filho de uma ditadura de um mundo dividido entre dois polos, comunismo e capitalismo. Quando nasci em 1978 no Brasil, já estavam preparando a anistia. Em 1985 foi o fim da ditadura no nosso país, com a vitória das diretas. Na redemocratização nosso primeiro presidente eleito foi o Fernando Collor, que saqueou a poupança do povo e foi impeachmado depois. Após veio seu vice, Itamar Franco, e depois eleito o Fernando Henrrique Cardozo. FHC controlou a inflação criando a moeda Real, mas entregou as estatais ao capital estrangeiro. Em 2002 o Lula foi eleito, daí seguiram 13 anos de desenvolvimento e consequente diminuição das desiqualdades pela primeira vez desde o meu nascimento. Tudo isso sem mexer nos privilégios das classes dominantes. Dai veio a descoberta do Prê-sal, a maior reserva de petróleo das últimas décadas. Ouve um golpe para tirar a sucessora do Lula do governo, Dilma Roussef. E estão fazendo de tudo para roubar o nosso petróleo e perdermos a chance de nos tornar um país

Intocado olhar- Renê Paulauskas

Você que era tão real se desfez. Virou água, pó, fumaça. Do sonho de encontrá-la sobrou somente seu olhar. E quanto mais real, mais distante fica sua face. Intocado olhar.

Cola- Renê Paulauskas

As coisas fixam em mim o tempo todo. Ficam horas, dias, anos. Devo ter uma cola que gruda tudo. Ideias, imagens, sensações. Queria ser liso, que tudo escorregasse sobre mim como água.

Sutil mundo cão- Renê Paulauskas

Loucura mesclada com premonição, loucura. Ideias insensatas para um mundo insensato. Injusto, governado pelos que não tem coração, psicopatas. No meio das incertezas, rastejo. Ansiedade desgovernada. Sutil mundo cão.

Silêncio- Renê Paulauskas

A mensagem afundou com a garrafa no fundo do mar. No meio do silêncio do oceano se decompos. Comida pelos peixes, esquecida, nunca lida. Quem diria que minha mensagem serveria de alimento no fundo do mar.

Dominadoras- Renê Paulauskas

Mulhetes dominadoras são diferentes de homens dominadores. Um pouco mais sutis exigem fidelidade e consulta sobre todas as decisões relacionadas ao casal. Odeiam não serem consultadas e pegas desprevenidas em situações que não concordam. Lembro bem da cara da minha ex mulher ao eu levar um colega caricaturista para passar uma noite em casa no dia em que seu apartamento pegou fogo. Ou até de uma ex namorada que quando me viu conversando com alguns amigos no lugar em que tínhamos marcado encontro não teve vergonha em fazer cara feia ou reclamar comigo depois.

Aprendi?- Renê Paulauskas

Aprendi. Aprendi que nesse mundo não adianta forçar as coisas. Não se força o amor, nem amizade, melhor mesmo é não forçar nada. As coisas tem um ritmo certo pra acontecer, muito mais lento e também dinâmico. Os acontecimentos se encaixam em acasos, os desencontros se perdem no tempo. A vida se encarrega de trazer o fruto e de levar as sobras. Mesmo sedentos, a vida dá um jeito.