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A Pedra e a Criança (Poema) - Renê Paulauskas

 A palavra Já não dizia Calada Rocha fria Entre os gatos  Esperando sentado Atento e relaxado O próximo ato Sem saber a vida Sem nem dar por sorte O destino ia se fazendo E o tempo tecendo a morte Mas quando distraía Era a pura vida tinindo Nem sabia do que ria Como criança sorrindo.

Artistas- Renê Paulauskas

 O mundo é um lugar talhado pela exploração e subserviência em todos os sentidos. Existem os capitalistas (poucos) e um mundo inteiro de explorados (trabalhadores). Enquanto a imensa maioria gasta energia em como se adequar para ser absorvido em sua mão de obra pelas indústrias e empresas. Do outro lado, existem as pessoas que se especializam em um método próprio, que também será absorvido futuramente pelos capitalistas, se tiver êxito. Assim nasce o trabalho de vários artistas, obcecados em criar. Pessoas que tem, ou inventam, tempo livre para serem elas mesmas (um mundaréu de coisas) que elas pensam, sentem ou refletem em suas breves histórias de vida. Esse perfil de gente, tem um quê de inconformado com seu exterior. E se conseguirem ficar firmes em suas convicções, não desistindo, ou se entregando à exploração, o supérfluo e enganoso, se tiver êxito, conseguirá mudar o mundo. Até as engrenagens do sistema aproveitarem a novidade afim de lucrar com a novidade.

Silêncio - Renê Paulauskas

Ouvir alguém requer silêncio. Silêncio para digerir as palavras. Silêncio para refletir, só depois falar. Poucas pessoas fazem isso. Por isso o mundo é um lugar, quase sempre, sem fala, e muito barulhento.

Senso comum - Renê Paulauskas

 O senso comum é mediano e implacável. Mediano, porque nunca é o aprofundado, sempre o mais imediato. Implacável, pois todos, usamos sem perceber ideias de senso comum, nem que seja para aprofundar uma questão ou outra. O senso comum está em todos nós. Numa ideia pré concebida, numa primeira impressão, e assim vai. Talvez tenha algo de primitivo, algo intuitivo. De todo modo, somos reféns dele. E talvez, entendendo seu poder, possamos ser menos oprimidos por pessoas sujeitas ao senso comum sem se darem conta.

Caminho das letras- Renê Paulauskas

 Caminho de pedras tem sido o desenvolvimento da minha nova arte. Não a do desenho, que teve início com os primeiros passos por meu pai, depois a escola de desenho e por último ter sido assistente de um grande cartunista. Já a nova arte, das letras e da composição, tem sido feita quase sem apoio, sem escola, sem mestres.  Não sei bem porque, mas tem sido mais difícil achar um caminho nessa nova arte. Tem sido muito solitário. Talvez só me caiba o assento de um amador nessa função de escritor e compositor.  Por enquanto luto. Pouco a pouco, sem gastar toda energia duma vez. Me exercitando. Mesmo sem mestres, escolas e colegas. Um caminho solitário, mas não sem inspiração.

Ideias em si- Renê Paulauskas

 Cada coisa traz pelo menos uma ideia em si. Por exemplo, uma criança traz a ideia de esperança por ter ainda muito tempo de vida pela frente. Existem também as ideias do inconsciente, as dos arquétipos e símbolos de nossa mente. E ainda a razão de como as coisas funcionam no seu ordenamento material, físico e prático. A loucura pode ser entendida como um encharcamento de ideias relacionadas a símbolos interiores, mais ideias egocêntricas e paranoides sem a estrutura racional que ordena o funcionamento das coisas. Dessa maneira é capaz de se fazer várias viagens ao interior psíquico e ter descobertas incríveis.  O problema, após essas experiências, e ter voltado para o mundo racional, é não conseguir encaixar mais as "viagens" no seu mundo regido por uma lógica mais materialista. Assim fica-se dividido entre dois mundos. O dos símbolos e da materialidade das coisas. Até conseguir encaixar, ou não, cada coisa em seu lugar.

Caixas- Renê Paulauskas

 Num planeta uma coisa chamada vida se desenvolveu por um sistema de reprodução e alimentação onde uns comiam os outros. Bilhões de anos após essa cadeia ter iniciado, uma forma de vida se destacou. Viviam agrupados aos milhões em pequenas caixas donde saiam para serem agrupados em tarefas ditas por outros em troca de crédito para comida, roupas e pagar os recursos das caixas de moradia. Esses seres tinham criações de outros seres só para se alimentarem. Assim como criavam uma enorme quantidade de produtos para gastarem com seus créditos. Quase não saiam de suas caixas fora dos dias em que faziam tarefas para os de caixas maiores, que também faziam tarefas para outros que viviam em caixas ainda maiores e que viviam de caixas gigantescas de onde vinham e eram fabricados os créditos. Se agrupavam em pequenos bandos de parentes consaguineos ou de pares em casal ou até mesmo sozinhos. As relações afetivo- sexuais desses seres tem início pelos símbolos sonoros desenvolvidos por um filamento

Castelo de Areia- Renê Paulauskas

 Ele chegava em casa, tirava a roupa e tomava um banho. Em seguida punha um pijama e chinelos. Sentava na poltrona da sala e ficava somente com as imagens dos objetos em volta, luzes e sombras e o barulho de sua respiração junto aos ruídos da vizinhança. Um pensamento ou outro passava pela sua cabeça, mas nada que o perturbasse. Nunca fizera yoga, nem curso de meditação. Achava ridículo alguém achar que, ficar olhando os objetos da sua sala sem muito o que pensar, fosse algo digno de elogios ou algo parecido.  Mas em outras horas era tragado por seus pensamentos onde sua aparência era de quem estava fora do ar. Ao mesmo tempo tinha uma mente limpa que era carregada por pensamentos complexos. Tinha muito tempo livre, e às vezes, não sabia o que fazer com o excesso de horas do dia. Pensava: "seria tão melhor se as pessoas trabalhassem menos e tivessem mais horas pra si". Para ele, inclusive.  Se sentia às vezes afastado do mundo. Como se tivesse numa redoma de vidro. Como se nã

Carnaval do Capeta- Renê Paulauskas

 O evangélico abstêmio sai de casa para ir à igreja. O ônibus muda o trajeto por conta dos bloquinhos de carnaval. Desce e vai a pé. Uma loira de mini saia o para no caminho dizendo "Gostei!" Passando a língua nos lábios e sorrindo. Ele segue seu caminho pensando "Isso é coisa do demônio". Para pra comprar água de um ambulante que diz "Só tem cerveja!". Segue em frente naquele calor do cão, pensa "Faltam só quinhentos metros" quando vê a rua de acesso fechada. O bloco de carnaval o atropela. Passam a mão na sua bunda. Despejam bebida em sua boca. Seus olhos arregalam. Solta um riso demoníaco e pega um latão, beija na boca dos transeuntes. É levado pela multidão. Furtam-lhe a carteira e o celular. Passa mal no caminho. Vomita. Furta uma vodka, sai correndo bebendo no caminho. Fica aceso como um capeta. Dá uma risada demoníaca que ecoa no carnaval.

Materialidade das Coisas (conto) - Renê Paulauskas

Começou a perceber que as coisas tinham uma materialidade além de seus pensamentos. Uma formiga minúscula apareceu em sua mão. E em vez de olha-lá com calma e atenção, a matou. Em seguida reapareceu e a matou de novo. Já tinha visto deuses africanos, o espírito do seu pai, não poderia refutar tais visões jamais. Mas duvidava que hoje em dia as teria. Assim teve medo de renunciar tais visões. Mas acreditar no invisível ficou cada vez mais distante. E ficava contente que fosse assim. Enfim tinha um mundo em seus pés. Poderia desbrava-lo mesmo estando na meia idade. II A única mulher que às vezes desejava conhecera ainda criança, bem antes de se tornar mulher. Seu desejo era não por seus tributos pessoais, apesar de se tornar uma mulher muito bonita. Mas sim por ter sido durante longo tempo ela a deseja-lo. Sua primeira namorada também a conseguiu assim. Depois de saber de seu interesse a procurou e começaram a namorar. Já a moça, tinha tido uma filha e se casado. Parecia que não havia mu

Acordado- Renê Paulauskas

 Lembro desde pequeno dos pregadores no varal e dos pregadores no chão, como se existisse um enigma a ser desvendado, se deveria ou não recolhe-los do chão e po-los no varal. Hoje penso menos nisso e minha resolução é por motivos mais práticos que abstratos. Me perdia horas em possíveis significados de sonhos. Fazia questão de lembrar das histórias como se fossem tão importantes como as acordadas. Mais novo ainda acreditava estar sonhando acordado. Duvidava da realidade como se tudo fosse um grande sonho impossível de se acordar. Hoje duvido muito dos meus sonhos, os interpreto como impulsos de descargas neurais enquanto o cérebro se reequilibra energeticamente. Acho que perdi um pouco meu lado mais da fantasia, mas me fez bem, eu era muito avoado.

Nosso Tempo - Renê Paulauskas

 Se pudéssemos nos afastar por um momento da nossa época para fazer uma análise de suas características, poderíamos dizer que nosso tempo é marcado por uma visão como se tivéssemos chegado no fim de todas suas possibilidades.  Como se tivéssemos chegado ao fim, da arte (como se todas possibilidades estivessem esgotadas), da vida (pelos eventos climáticos extremos), da sociedade (desinformação e fascismo). Assim o ser humano não vendo um futuro recorre a fuga, ora pela fantasia, ora desinformação (em formato de informação) deixando de lado o que seriam as coisas do mundo de fato gerando uma sociedade cada vez mais alienada e individualista dominada por quem controla o capital, a política e a informação. Numa zona cinza onde o capitalismo gera impacto ambiental e o mundo busca alternativas para não elevar ainda mais o clima extremo, a política se divide entre a consciência pela ciência e a barbárie pelo fascismo neo liberal. Como sairemos desse período negro, não sabemos. Talvez precise

Saúde Mental - Renê Paulauskas

 Lá fora o mundo gira sobre forças materiais, leis da física, relações sociais, política, economia etc. No mundo interno o funcionamento das coisas tem haver com mundo mágico, afetos, crencas, superstições etc. É um mundo externo funcionando a todo vapor por pessoas movidas internamente por questões subjetivas às vezes só discutidas em análise. Saber equilibrar esses dois mundos é o sentido que carrego há anos, sabendo do perigo de um mundo engolir o outro, seja através do material, pelo excesso de trabalho. Ou pelo espiritual, gerando a loucura. Os dois efeitos colaterais se manifestam na falta de saúde mental. Que para estar equilibrada requer equilíbrio entre os dois mundos. Os remédios ajudam, análise faz parte, mas se o mundo interno não está funcionando bem de modo saudável, certamente não funcionará também na vida social. Do mesmo modo o excesso de trabalho pode deflagrar diversos transtornos mentais, que depois viram entraves para continuar a trabalhar. Pelo menos na mesma funç

Loucuras juvenis- Renê Paulauskas

 Nós pedíamos moedas para minha mãe para beber um litrão no bar mais barato do bairro. Éramos felizes com quase nada. Nos bastava os amigos, as amigas, como ela e a juventude.  Ela era sete anos mais velha do que eu, mas se sentia uma velha ao meu lado. Nos conhecemos por intermédio de uma outra amiga, maluca e ninfomaníaca, por quem eu estava interessado. Nos conhecemos no bar porão Lá Pe Jú perto da rua Augusta. Beijei ela na frente da ninfo pra fazer ciúmes. Perguntei "pra minha casa ou pra sua?". Ela falou que morava com o marido, mas estavam separados, foi aí que o caldo entornou. Meses depois estávamos os três: eu, ela e o marido como melhores amigos, comendo, bebendo, escrevendo, fazendo arte, os três. Mais tarde ainda descobri que ela falava pro marido que nós dois éramos somente bons amigos. E falava pra mim que estava separada quando não estavam. Ela estava apaixonada e eu só queria diversão. Um dia saímos eu, a ninfo, um amigo escritor e ela. Fomos num bar na Augus

Vinil (conto) - Renê Paulauskas

 Vinil era um jovem inteligente que adorava contar suas histórias de ter prestado o Exército no fim dos anos noventa.  Seus amigos o adoravam e contavam que adolescente ele escalava o prédio em que morava na avenida Pompéia até seu apartamento no quinto andar. O conheci na escola de desenho por um amigo em comum. Conversamos rapidamente mas logo me convidou pra sair junto com sua amiga. Fomos numa Have no Bexiga. Passei meio mal e disse a ele que estava indo embora. Ele disse: __Vai com meu carro! __ Eu não sei dirigir. __ E rimos. II Vinil começou a me visitar em casa. Eu contava os sonhos que tinha tido com riqueza de detalhes. Ele falava das viagens que tinha tido com ácido. Até que depois de um tempo ele começou a falar umas coisas sem sentido. E começou a piorar. Eu não sabia bem o que estava passando com ele e preferi me afastar. III Longos anos se passaram até que o reencontrei, quando já estava terminando a faculdade. Trocamos telefones e marcamos de nos encontrar. Fiquei saben