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Sair sem avisar - Renê Paulauskas

 Ontem saí sem avisar. De cara um homem invocou comigo exigindo que eu pedisse licença para andar no ônibus lotado. Estava correndo para pegar carona com uma amiga saindo do trabalho, mas quando chego lá ela me diz que a kombi não pode dar carona, que eu teria que ir de ônibus. Entro no ônibus, nem cobrador nem motorista conheciam onde teria que descer. Uma moça com o namorado ao lado diz que também desceria lá. Agradeço e sento no banco ao lado do casal. Começo a ficar cismado com o cara. Presto atenção à conversa. Amigos que estão presos. O cara diz referir usar um tresoitão. Dispara meu alarme interno. Discretamente me levanto e passo a catraca. O olhar da moça me procura. Desço do ônibus. No extremo sul da capital peço um taxi, que é recusado dezenas de vezes por ali ser uma zona de risco de assalto. Quase meia hora depois uma motorista aceita meu pedido e em minutos chego à casa da minha amiga.

Aniversários

 Aniversários são datas que nos lembram duas coisas: que estamos vivos e mais velhos, portanto, mais pertos da morte. Pelo menos é o que sinto hoje, fazendo quarenta e dois anos, ainda me sentindo um tanto jovem. Quando fiz trinta anos comemorei com mais de trinta amigos. Hoje, medito sozinho um pouco ansioso. De certa forma tem uma pressão em fazer aniversário, que não se sabe exatamente da onde vem. 

Eterno- Renê Paulauskas

 Dias eternos nesta sala. Não há porão, não há sótão, tudo terrivelmente achatado pela visão dos móveis, quadros e paredes. Tudo é sereno, o silêncio, o vento nas folhas do lado de fora. Não quero visitas, só a calmaria me basta. O brotar do respirar é algo que preenche. 

Memória- Renê Paulauskas

 A memória prega peças. É falha, distorcida, não é segura. Porém, nossa única fonte de veracidade. Memórias, interpretações da realidade recheadas de emoções de um espírito parcial da realidade.

O fazer- Renê Paulauskas

 O fazer, desde com vontade, nos torna livres. Seja uma receita, uma arte, ou resolver algo. O cérebro humano agradece. Após o feito se sente um prazer específico em ter acabado a atividade com sucesso. Resignificando a si a partir dos afazeres. Agora, fazer o que não se gosta, é uma grande escravidão.  O tédio se aproxima mais a um não fazer. E ao mesmo tempo um não viver. Isso não significa que não se possa viver sem o fazer. O fazer descrito acima se resume a atividades com começo, meio e fim num período curto. Viver é algo mais complexo. Menos prático, mais intuitivo e inconsciente. Mais ligado ao improviso, ao acaso, o inesperado. Portanto mais interessante ainda do que ''o fazer''. Mas esse viver descrito por último se limita a uma sensação superior, a de se sentir vivo. Viver engloba todos os períodos da vida, assim como o tédio, os afazeres obrigatórios, nem sempre prazerosos, etc.

Fantasma- Renê Paulauskas

 Às vezes vejo fantasmas. Fantasmas vivos que já não existem mais. E os cumprimento como de carne e osso. Os dou de comer, de beber, os deixo corados. Daí quando saio, esqueço deles como se nunca tivessem existido. Sou tão morto como eles. Somos todos iguais.

Acordando- Renê Paulauskas

 Ele se alimenta na sombra desenhando luzes. Diz que renasceu várias vezes do passado. Caminha sobre as folhas secas com o vento desalinhado seus cabelos. Está vivo, mas toda noite morre alguns segundos. Gole seco de água na madrugada. Preso entre a noite e a manhã. Descortina de olhos cansados. E repete, é uma história de amor, é uma história de amor. 

Transtorno Bipolar - Renê Paulauskas

 Hoje, dezoito anos depois daquele dia da nossa separação, começo a entender melhor o que aconteceu.  Depois de uma história de muitas descobertas com criatividade e tesão, nosso sexo já não era mais o mesmo entrando no nosso quarto ano de relacionamento. Foi então que ela disse uma vez não se importar em não gozar. Percebia que se aproximava do trompetista da banda. Eu cuidava da nossa filha, com um ano na época. Pagava sua escola, a levava cedo, buscava, dava banho, comida, botava pra dormir, éramos muito próximos. A mãe chegava do trabalho depois que já estávamos dormindo.  Um dia não aguentei mais e pedi a ela que me contasse se tinha acontecido alguma coisa entre ela e o trompetista. Ela disse que eles se beijaram. Conversamos rapidamente com calma dizendo que o mais importante era ficarmos juntos, como se nada tivesse acontecido. Fomos deitar e aconteceu. Acordei em surto de agressividade a colocando pra fora de casa. Surtos como esse seriam normais dali pra frente como epoisódio

Ensolarado- Renê Paulauskas

 Mais um dia me escondo. Atrás de uma janela, com braços e pernas pra fora. Dias passam rápidos e iguais. Uma curiosidade me mata: O dia lá fora. Procuro companhia entre meus pares. Desocupados interessados no dia como eu. Uns mais outros menos, mas hoje, ninguém tão desocupado como eu. Exceto a Riso, que tem tomado sol.  Com gente de fora é mais difícil marcar alguma coisa. Pelo menos agora na pandemia. A lista do whatsapp diminuiu. Deixei somente amigos e família. Tentei refazer contatos. Não foi possível, o mundo encolheu. Agora fechou o tempo. Talvez chova. Já me sinto melhor. Sem tanto desejo castigando a vontade de um dia de sol.

Desaguar - Renê Paulauskas

 A vida carcomida pelas arestas precisa de descanso. Desaguar pra continuar. 

Morto- Renê Paulauskas

 Peso morto. Tábua esquecida no chão. Difícil levantar, difícil levitar. Lataria velha, descarte. 

Ressaca- Renê Paulauskas

 Derrepente da imagem se fez relevo, assim começam todas as fantasias. Da vizinha se fez amante, da amante, mãe dos filhos. Quando acordou estava só. Só cartas não enviadas, sem selos, sem remetente. Vivera como um fantasma. Ressaca de sonhos e ilusões. 

Escondido - Renê Paulauskas

 Me diz agora pra onde irei caminhar. Nessa ilha minúscula. Antes meus pés caminhavam livres, tinham a dimensão do mundo. Agora quase não saio de casa. Pudesse ver o mundo mais uma vez com outros pés. Pudesse eu ir até a esquina e voltar. Longe do mundo me escondo. Me encontro em análises do eu como esta. 

Acorda!- Renê Paulauskas

Esfria a cabeça. O mundo não acabou. Acabou apenas a fantasia. Essa que te tira do trilho. Que se alonga a quase uma década comodamente. Ficção com o desejo do sonho. Mas, acorda! Vive a vida. Sei que é difícil. Mas, acorda.

Filha - Renê Paulauskas

Foi de apertar o peito aquela sensação. Ver a menina crescida prestes a se mudar. Falava sempre pelo telefone com ela. Laço que se alongava à anos, junto aos passeios raros. Agora, já tinha dezenove anos. Iria se mudar pra outra casa, outro telefone. O medo que desce algo errado. Não de achar outra casa, mas de ficar sem contato. Era um medo irreal. Mesmo assim um medo.

Amor- Renê Paulauskas

Na verdade não fui feliz no primeiro amor. Na segunda chance que tive, fui. Namorei, tive uma filha, moramos os três juntos, por um tempo. Até que de novo veio o fim. A diferença é que dessa vez surtei. Quando dei por mim já era outro. E tive que carregar a desilusão do amor como uma ferida que não fecha. Mesmo assim ainda guardo numa caixa de madeira aquela carta primeira daquela que dizia ser uma admiradora com seu desenho de um calango boiando num tronco rio adentro numa noite de luar. Sua carta faz parte da minha essência, assim como parte do processo de cura. Mas ela, a mãe da minha filha, não mais. Assim guardo na caixa o recorte de nossa juventude, para ver se renasço mais uma vez, dessa vez em outro lugar.

Envelhecer- Renê Paulauskas

Meus amores envelheceram como eu. Nada mais é eterno. Fui deletado dez vezes por não suprir as expectativas.  Um velho andarilho, sem fadas para o curar.

Praia- Renê Paulauskas

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Celular- Renê Paulauskas

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Leveza- Renê Paulauskas

Aos poucos o rolê marginal foi sendo substituído por companhias mais leves. Assim, muitos amigos foram desaparecendo. Os que ficaram passaram dos portões pra cá com direito a um descanso com chá, mel e algumas bolachas. Os outros se perderam no caminho, arodeados de confusões. Desse lado do portão não são aceitos classistas, raciscas ou qualquer um que se ache melhor do que o resto. Sim, contra eles temos preconceito, mas é por um bom motivo.

Renê Paulauskas

Coletivo Calangos- Renê Paulauskas

Toda vez que vejo cenas do filme do Wim Wenders ''Hotel de um milhão de dólares'' me emociono. Como são lindos os marginais, tão autênticos, por isso mesmo, fora do sistema. Vejo como o Vinil (Vinícius Tetti Silla) e eu demos uma parcela, pequena, mas importante criando esse blog como uma oficina experimental de trabalharmos nossas loucuras como arte. Escrevemos, tocamos, saímos do óbvio. O projeto inicial, junto ao Cris (Cristiano Mancuso) e meu pai (Faifi) que era de conseguir projeção e trabalho foi substituído aos poucos por uma vontade louca de fazer coisas novas que sentíamos na hora. Por isso o desenho, que já estava treinado há anos, foi sendo trocado por textos improvisados ou músicas. Mas isso talvez fosse muito pouco se eu e Vinil não tocassemos no que mais nos enquietava, a loucura. E desse modo demos nossa contribuição mais verdadeira, falando sobre nossas experiências com a dita cuja. O Vinil faleceu e eu continuei escrevendo depois de uma pausa. Enfim, no

Covid 19- Renê Paulauskas

Um amigo testou positivo para Covid 19. Está internado, vi ele numa maca sorrindo pra foto. Fóda! Quando a doença chega a adoecer um amigo é muito diferente de ver estatísticas ou jornais. A situação se torna real. Luz, cor, calor. Densidade, angústia, lembranças. Esse vírus mata, nem todos, mas uma porcentagem que mesmo não sendo tão alta, assusta. Hoje, fui contaminado pela terrível realidade do coronavírus: o medo de perder alguém próximo para essa pandemia. Há poucos anos perdi meu melhor amigo para H1N1, que também ataca o sistema respiratório, mas com uma letalidade muito menor. Esse amigo fumava cinco maços de cigarros por dia, o que foi decisivo para sua morte junto a Sars daquele ano. Hoje tenho medo por todos com deficiência respiratória, pessoas de idade, ou qualquer um que tenha o quadro agravado se testar positivo para o novo coronavírus. Essa guerra hoje molhou meus pés, abalou o sistema nervoso, mas ainda tenho muito ar para respirar. Estou sem palavras.

Peça- Renê Paulauskas

Peça ''Um breve passeio pelo bosque da loucura'' de Renê Paulauskas. http://bosquedaloucura.blogspot.com

Sol- Renê Paulauskas

Hoje eu acordei de um mal que foi embora. Como nos contos de fada, o surto que tirara meu humor deu lugar a um dia de sol. Mais leve tomei meu café da manhã e respondi algumas mensagens no celular. Que bom.

Mental- Renê Paulauskas

Mania de perseguição, idéias de conspiração, egocentrismo exagerado, são sintomas dessa minha doença. Que sem remédio, é como viver num filme sombrio de ficção. Quase sempre mais atrativo que a banal e insignificante vida real.

6mg - Renê Paulauskas

Ontem, depois de anos estável, dei uma pequena surtada. Tenso, nervoso, à noite não conseguia dormir. Tomei 2mg de risperidona a mais e consegui relaxar e dormir. Parece que nunca vou conseguir me livrar desses remédios.

Bike - Renê Paulauskas

Há alguns anos gastei o final do dinheiro que tinha guardado na compra de uma bicicleta. A idéia era voltar a andar como fazia vinte anos atrás, mas na verdade andei até hoje menos que dez vezes. Vendo ela parada, pensei em vendê-lá. Pra minha surpresa, valia menos que um quarto do valor que tinha comprado quatro anos antes. Até que um amigo pediu emprestado para trabalhar como entregador. E esse foi o fim da minha fantasia de voltar a ser ciclista.

Movimento - Renê Paulauskas

Todos erros e acertos fazem parte. De uma roda que respira, se fecha e se abre. Movimento da vida, pulsação de vida e morte.

Celular - Renê Paulauskas

Essa caixa da onde saem as palavras dos meus amigos e parentes mais próximos. Donde quardo sons e textos pra depois espalhar aos ventos. Que tira dúvidas sobre tudo o que penso. Que me dá o mundo, mesmo que limitado.

Ficar em casa - Renê Paulauskas

Sempre acreditei que o movimento está na rua, lá as coisas acontecem. Porém, com o passar dos anos, essa natureza foi sendo substituída por um acúmulo de solidão. Sair às ruas simplesmente, não significa nada. Encontrar pessoas interessantes, sim. Só o encontro nos dá a liberdade de nos conhecer, e a outras coisas, com curiosidade.

Apocalipse - Renê Paulauskas

Nessa pandemia, quando a produção de alimentos parar por falta de funcionários, nunca será tão necessária sua robotização e uma renda para as pessoas consumirem seus produtos. Esse vírus só antecipou o futuro umas décadas, nada será mais como antes. As máquinas trabalharão a serviço da humanidade. O Estado será obrigado a garantir renda, educação e saúde para seus cidadãos. O velho mundo pós moderno está se desfazendo como um castelo de cartas. Esse período de isolamento que estamos vivendo funcionará para acelerar essas mudanças. Uma renovação do mundo está acontecendo, e para melhor.

Eterno- Renê Paulauskas

Sonhei. Um sonho onde fazia de tudo pra encontrá-lá. Que quando enfim ela chegava, estava em outro lugar. Era a outra a quem corria, mas antes mesmo do contato, acordei. Que sonho romântico, pensei. Onde a busca do encontro é eterna e nunca se dá.

Cupim- Renê Paulauskas

Tem várias maneiras de se perder alguma coisa. A melhor, sem dúvida, é a entregando pra vida. A pior, é pegando cupim.

Tão- Renê Paulauskas

Hoje tive um sonho tão bom, que não queria sair da cama. Um sonho tão bom, que não queria mais acordar. Tão bom, que fiquei pensando se era pra mim mesmo e não pra uma pessoa mais necessitada. Tão, que quase me senti culpado.

Depois do fim- Renê Paulauskas

A luz ainda não foi apagada. Não há trevas. O sistema, sim, entrou em colapso. Mas não é o fim, e sim um recomeço.

Vírus- Renê Paulauskas

O vírus acabou com a autoestima da pós modernidade, onde velhos se achavam jovens e doentes se achavam saudáveis. Pois um limite ultrapassado, um retrocesso. Um doloroso horror. O bom é que vai passar. Quem sabe aprendamos algo com essa dor.

Espelho- Renê Paulauskas

Minha vida ensinou ''olhe menos no espelho'', o mundo verdadeiro se encontra na vida. Risos, jeito espontâneo, surpresa. Tudo do lado de cá, sem imagem refletida.

Frasco- Renê Paulauskas

Impulsos elétricos que não escolhi. Para uma falsa ilusão de realidade que também não escolhi. Cérebro-computador tátil. E meu coração em frascos.

Vício- Renê Paulauskas

O que dizer do prazer, como nos vicia. Libera dopamina querendo sempre mais. Nos escraviza antes de percebermos. Fazendo de tudo só pra sentir mais uma dose. Horrível prisão invisível. Que nos torna reféns de algo tão natural como o prazer.

Viver- Renê Paulauskas

Comecei a desfazer a rotina, fazer o que dá vontade. Lavar a louça, para me diferenciar dos machistas. E com o tempo, vivendo.

Tanques- Renê Paulauskas

Começava a esquecer as coisas. Se tinha ou não tomado seus remédios. Sonhos só lembrava às vezes. Enfim estava sendo tão normal como os demais. Perto, chegavam caminhões cheios de soldados. Tanques. Tropas. Era o fim. '''Rene, que má hora para ter uma vida normal''.

Pêlos- Renê Paulauskas

Faço a barba por cima da cicatriz suicida pedindo um pouco paz. Não tão cortada pela rigidez dos hábitos militarizados da saúde pública, mas pelo simples incômodo dos pêlos grossos crescidos em meu rosto. Foram só quinze anos para deixar que crescessem soltos para depois cortar naturalmente.

Music- Renê Paulauskas

In saturday I walking in the street and look the bird sing in the way. In my house I think in my life. I belive the goes with the faith. I belive the walk with step by step.

Espera- Renê Paulauskas

Tiraram a cortina multicolor. A morte aparece. Também a vida. É preciso se agarrar as coisas como quem está com fome. Porém, em volta, sempre mais podridão do que beleza. Se guiando pela certeza que vale a pena esperar.

Flor- Renê Paulauskas

Plantei flor e não vingou. Venho plantando flor desde o fim de um outro amor. Mato cresce, se espalha, mas a flor nunca brota. Vou rezar dessa vez pra ver se vem alguém. Um broto novo neném. Pra meu coração voltar a bater. Pra eu também não perecer.

Meninas sinceras- Renê Paulauskas

Ah, sapatas! Como são lindas. Não todas, mas as bonitas. Diretas, francas, ousadas. Com suas peles delicadas de pequenas amazonas seguindo viagem. Sem medo fazendo amizade. Fico encantado com tanta beleza, sapatas sinceras.

Simples peido- Renê Paulauskas

Um simples peido é antes um intestino com gazes, por mais que não associemos na hora. Cada coisa traz em si um desenrolar. Até nos sonhos é assim. Só não percebemos por acúmulo de tarefas ou ações. Assim as coisas funcionam.

Caminhando- Renê Paulauskas

Tudo que eu penso vem do mundo, mas não é o mundo. A chuva que cai esbarra em mim, mas cai com uma densidade muito mais forte sobre o chão. Ainda não sou tão insignificante como um em bilhões, mas me moldo, pouco a pouco, a ser um indivíduo cosciente. Como todo ser, cheio de potencialidades.

Ônibus- Renê Paulauskas

Ontem de madrugada, esperando o ônibus pra casa, apareceu na estação uma menina de verde que me chamou a atenção. Sentou do meu lado e começamos a conversar. Falei do meu amigo que depois que fica bêbado não quer mais voltar pra casa. Ela disse que tinha tomado uma baita de uma chuva no carnaval. Esperávamos o mesmo ônibus, em trajetos opostos. Depois de partir pensei como seria legal reencontrá-la. Mas na hora nínguém tinha ou pensou em pegar no celular. Deu um sentido aquele pequeno trocar de ideias. Como se estivéssemos certos e o mundo tivésse errado.

Ocioso- Renê Paulauskas

Para quem tem excesso de tempo livre, não mais estuda, nem trabalha, administrar o tempo pode ser uma tarefa árdua. Muito mais fácil seria se deixar explorar por subempregos numa era de fim dos direitos trabalhistas. Mais fácil, não melhor. Estudar já pode ser uma saída, já que não se pode viver só de lazer. Mas depois de formado, muito melhor a liberdade de ser autodidata. O problema é que continua faltando o caráter de socialização, que mais faz falta para quem não se encontra num trabalho ou numa escola. Quando era mais novo estudei numa escola de desenho que foi fundamental para minha formação, muito mais do que a escola de primeiro e segundo graus. Estava envolvido com o tema do desenho de modo apaixonado. Consequentemente conheci outros com o mesmo propósito. Quando fiz teatro na adolescencia senti o mesmo. Fui acolhido pelo grupo que me identifiquei ficando quatro anos com eles. Depois voltei para a escola de desenho, virei assistente do cartunista que era fã e comecei a trabalh

Canto dos pássaros- Renê Paulauskas

Acabo de ouvir daqui de casa dois pássaros diferentes cantando juntos. Enquanto um fazia uma voz, o outro, entrava em seguida com o segundo canto. A prova de que realmente estávam cantando juntos, e não somente ao mesmo tempo, foi quando pararam o canto juntos em perfeita harmonia.

Necessidade/Desejo- Renê Paulauskas

Me sinto isolado, abatido, quase morto, preso. Preciso sair, encontrar pessoas, me encontrar. Preciso de conexões. Incendiar. Só depois descansar.

Branco- Renê Paulauskas

Nem a chuva se decidiu, se cai ou não. Página em branco no meu caderninho. Queria que toda loucura estivesse em debates pela cidade. Queria participar. Mas esse mundo, tão chato, não me acompanha. E eu aqui sentado, esperando o que não vem. Se pudesse reinventar o mundo, não sei mais se posso. Até sonhar é difícil. Relampágos no ar, e a chuva que não vem.

Hippie- Renê Paulauskas

Todo lugar é fechado. Aberto, quando sim, pra visitas, pro consumo e evento, mas sempre fechado em sua cúpula de organizadores. Não importa se é anarquista, socialista ou de contra-cultura, é assim que se organizam os centros, coletivos, grupos, sempre fechados. Uma prática de poder às vezes inconsciente, outras não. Acho que os únicos que se abriram pra mim, fora a família e alguns amigos, foram os hippies, mesmo assim alguns, não todos.

Trabalho- Renê Paulauskas

Trabalhar ocupa a mente e preenche o tempo. Trabalhar fazendo o que se gosta é isso sem perceber o tempo passar. Trabalhei minha vida toda como desenhista, fosse ilustrando livros ou fazendo caricaturas. Sinto falta de trabalho já há alguns anos. Nesse período praticamente fiquei sem desenhar. Ocupo meu tempo escrevendo e compondo, mas é diferente, é mais um hobby. Não estar trabalhando com desenho me faz muito mal.
Música projeto sociopolítica

Sonho- Renê Paulauskas

Sonhei, e no meio do sonho percebi que era todas as personagens, percebi também que era o narrador. Tudo isso automático, só pra mim. Que bom seria fazer um livro com toda essa facilidade.

Eternos- Renê Paulauskas

São eternos o amor, a arte, as amizades. É temporal o homem, o mundo, sua miséria. O animal humano pensa a eternidade, sonha, cria, se realiza. Este, que só pode imaginar deuses e imortais, logo perece. Tão caricata sua vida, ele ao menos sonha, já não mais sonham nossos mortais.

Mundo- Renê Paulauskas

Mundo contemporâneo, onde estão teus filhos, que a sociologia, a psicanálise já te desmascarou? Que podem eles, se não, gritar, gemer num mundo de fim de mundo sem ter pra onde correr? Mundo velho, tuas máscaras cairam, teu projeto rachou! O novo virá, resignificando o mundo, o broto. Estarei velho, mas mais vivo do que nunca!

Consumismo- Renê Paulauskas

O consumismo confunde a necessidade com o desejo. Cria ''necessidades'' ilusórias num mundo onde as verdadeiras necessidades, sejam elas, materiais, biológicas, psicológicas ou culturais estão escondidas atrás de outdoors, comerciais e marketing querendo vender sempre mais. O ser humano perdido no meio dessas engrenagens do capitalismo moderno, muitas vezes, não tem a quem recorrer, se não, ao consumismo desenfreado. Prova disso é a doença moderna de acumulares, onde a pessoa compra e guarda coisas totalmente desnecessárias sem conseguir se desprender delas. Não é a toa que o país onde há maior número desses disturbios é nos Estados Unidos, onde está instalado o mercado mais capitalista do mundo.

Portais- Renê Paulauskas

Muito já se falou da psicose como desrazão de uma maneira negativa, eu, depois de vário surtos psicóticos, posso falar da mesma como experiência prática de abrir portais. Através das sinapses aceleradas é possível se alcançar outras frequências de realidade, que mudam conforme o pensamento. Similar aos efeitos alucinógenos, o surto abre caminho para uma realidade interior tão forte como o exterior que marca sua história de vida de um jeito perturbador. Sendo o maior conflito, muitas vezes, poder conviver harmonicamente com o mundo real e seu mundo interno. Remédios podem ajudar a desacelerar a mente e voltar a viver mais normalmente. Mas aprender e entender os conteúdos acessados através de surtos psicóticos, é materia pra uma vida inteira.

Robôs-Renê Paulauskas

A segunda metade do século XXI vai ser, entre outras coisas, de implementação da robótica e crescente substituição da mão de obra por essas tecnologias. Diminuindo o número de profições e vagas de emprego, as sociedades que implementarem essas inovações, terão que pensar como ocupar e sustentar um enorme número de desempregados. Sendo necessário um fundo criado a partir dos lucros das empresas robotizadas para esses desempregados terem, inclusive, como consumir seus produtos. Esse processo deve ser de muita luta e pressão social, pois os capitalistas nada fazem de graça, mas se vitoriosa iniciará uma nova era em que o homem será sustentado pelas máquinas. Parece ficção mas está logo alí.

Felicidade- Renê Paulauskas

Sonhei que vagava entre colegas da minha escola de desenho, mulheres, boêmios. Mas só quando cheguei em casa, comendo um bife do lado da minha esposa, é que encontrei a verdadeira felicidade.

Controle- Renê Paulauskas

Existe um leão dentro de mim. É preciso domá-lo. Caso tenha que pagar por seus estragos. Sua sede, quase insaciável, pode por tudo a perder. Todo controle conquistado depois de anos de remédios fortíssimos. Agora sou eu, eu que tenho que controlar o leão. Deixá-lo manso, como um gato qualquer.

Anônimo- Renê Paulauskas

Ontem, antes de dormir, pensei ser minha sina ser um cara anônimo. Um cara anônimo controlando o Universo. E no Multiverso, vários como eu. Será?

Vida nua- Renê Paulauskas

A vida nua é assustada. Anda olhando pro chão, procurando algo quando ergue a cabeça. Mas esquecida, é quase um trapo. Pobre vida. Mas se cultivada, desabrocha. Fica forte, confiante, bonita. Difícil é só deixar de ser tão desconfiada.

Noite fresca- Renê Paulauskas

Tão bom estar sereno, sentado na poltrona sem camisa nessa noite de verão. A sala silenciosa depois da visita da minha irmã, que gosto, mas como fala... Comi um brownie fora de hora, tenho refluxo, hoje durmo no sofá. Por isso mesmo minha despreocupação com as horas. Uma paz. Minha mãe já está dormindo, silêncio. Não precisamos de muito pra viver bem, pena que às vezes nem isso temos.

Meu olhar- Renê Paulauskas

Tudo é e tudo não é. O mesmo fato pode ser entendido como coincidência por um cético, ou como cincrônicidade por um místico. Tudo depende do ponto de vista. Cada olhar carrega suas virtudes e fracassos em si mesmos. Bom é ser coerente consigo mesmo, mesmo sabendo que às vezes estamos equivocados.

Muito mais- Renê Paulauskas

Cada passo rumo a uma vida normal, percebo como a loucura me salvou. Desse olhar vazio, desse mundo crú. Cheio de inspiração sobrevivi até aqui. Hoje mais sereno, mais pé no chão, sei que o mundo é muito mais do que uma ilusão, uma casca sem vida. A vida é muito mais que a razão.

Monstros- Renê Paulauskas

No corredor do banheiro, com as luzes já apagadas e minha mãe dormindo, apareceu um estranho ser em meio as sombras. Parecia uma pequena cobra de menos de dez centímetros. Estava com uma ponta volumosa. Tive que acender a luz do banheiro. Toquei no bicho com a ponta do chinelo, se contorceu em gestos rápidos contraindo o corpo elástico. Ainda não dava pra ver, pois a luz do banheiro não iluminava aquela parte do corredor. Acendi a luz de fora para iluminar um pouco a sala e por consequência aquela parte do corredor. Ainda pouco iluminado o jeito foi ir empurrando o ser esquisito até a luz do banheiro. Lá estava ela, uma mihoca cheia de poeira e fios de cabelo. Levei-a até o canteiro e fui dormir.

Che Guevara- Renê Paulauskas

Ainda no ginásio, na escola em que odiava estudar, lembro de uma garota passear no intervalo com uma boina a lá Che Guevara. Me aproximei e ela desatou a falar sobre política, coisa que nada entendia naquela idade. Procurei ela em outros intervalos mas nunca mais a ví. Desapareceu da escola. Acho que seus pais a transferiram para uma escola melhor.

Amigos- Renê Paulauskas

Sou um pouco de cada. Bom como o Tiago. Marginal como o Anderson. Audaz como o Caio. Louco como o Vinil. Chato como o Cristiano. Calado como o Renato. Todos melhores amigos.

Sabiá- Renê Paulauskas

Dizia a placa ''Praça das ilusões''. Tudo era vazio e passageiro. E eu ali parado, no banco da praça, esperando. E mesmo se corresse, me empenhasse, seria como segurar o ar. Dei por mim que nada alcançaria naquele lugar. E um Sabiá começou a assobiar.

Fragmentado- Renê Paulauskas

Fragmentado é o por-do-sol. De tanto correr pra ainda alcansar o sol, quando chego, não estou mais lá. De noite é mais fácil, basta olhar as curvas da lua. Desapareço no caminho, só assim estou vivo. E sim, depende da companhia. Se posso ser eu, escutar e falar sem nem perceber. Tão difícil. Com tão poucos. De resto, tudo tão artificial.

Adubo- Renê Paulauskas

Vidinha de merda, todo mundo tem uma. É preciso separar o lixo, separar o orgânico em adubo, cuidar da horta. Mesmo assim um tanto enfadonho, acho que até as plantas sentem tédio, só não é científico.

Sala- Renê Paulauskas

É tão vago o espaço da sala. Diferente dos dias de visita, cheios de luzes, sons, cheiros. De luzes apagadas, sou somente um rato. Que se alimenta, espera, e sai. Sou como a barata que vive no banheiro, mal acomodada. Às vezes olho o jardim, segundos depois, não vejo nada. Nenhuma semente a brotar. Nem plantas e cheiros. Nem canteiros, festa ou luar.

Milhões- Renê Paulauskas

Meu amigo é um escravo moderno. Mas nem pensa em ter outro emprego. Trabalha doze horas e só folga um dia por semana. Mas o trabalho é do lado de casa. Não tem consciência de classe, nem sabe o que é isso. Admira seu patrão e prefere ser explorado por eles do que lutar por uma vida mais digna. Meu amigo é complicado. Complicado como a maioria desse povo brasileiro. Que cresceu sem acesso a educação, cidadania e a cultura das classes dominantes.

Revoluções- Renê Paulauskas

Como tudo de desenvolvimento no mundo, aqui no Brasil, acontece cem anos depois, bem que poderíamos copiar a Revolução Russa, de 1917. Apesar de só poder ter sido realmente socialista até 1924, quando morre Lenin e daí em diante Stalin toma o poder transformando a União Soviética numa ditadura sangrenta e implacável. Outra coisa que não sabia é de como a Primeira Guerra Mundial foi importante para armar o povo Russo e deflagrar a revolução. Sem contar a primeira Revolução Russa em 1905, como grande inspiradora para de 1917. Apesar das diferenças é incrível quantas semelhanças vivemos hoje. Governo formado por banqueiros, ruralistas e religiosos (evangélicos aqui). De como seria importante uma reforma agrária, uma democracia direta do povo, um banco popular com juros baixos. Mas como é perigoso termos um grande ditador, como foi Stalin. Por isso se faz necessária a defesa do sufrágio universal. Se não fossem os atuais golpes na América Latina, só através de políticas reformistas, esta

Crias- Renê Paulauskas

Feliz, passeando semi nú pela casa. Minha filha está bem, tudo está bem. Voltando de um passeio com ela. Pais são seres estranhos que ficam felizes quando suas crias também estão bem.

Quase- Renê Paulauskas

Quase entramos numa guerra nuclear. Por pouco não fomos extintos. É urgente que as coisas comecem a melhorar, urgente! Não vou aguentar mais um ano de Bolsonaro, de quebra de barragem de lama, de poluição de petróleo no mar, agora, risco de terceira guerra mundial?! Pelo idiota do Trump?! É bom as coisas irem melhorando, não foi isso que eu pedi a Deus!

?- Renê Paulauskas

Por mais que esteja são, que os remédios façam efeito, acho que sempre serei dois. Um doido a lá Jesus Cristo, que acredita como Deus o mundo em volta de seu umbigo. Outro são, usando a razão em quase tudo, desvendado o isso do aquilo, o aquilo do aquilo outro. Um que sonha alto, acreditando que tudo é sonho e ilusão. Outro examinando atento o caminho por onde pisa. Serão todos assim?

Meu medo atual- Renê Paulauskas

Meu medo é de que do equilíbrio se faça um túmulo, ainda vivo, mas apagado. Que todas músicas só eram faces do meu descontrole, e quando ouvidas depois, ruidos. Que todo artista é meio louco, e que a minha já acabou, não passando de um mero desenhista de frases soltas, perdidas.

Vinícios de Moraes- Renê Paulauskas

Amava de modo desesperado. Alcoólatra, carente, tipo de gente que sente. Casou nove vezes já sabendo de suas finitudes claras e quase óbvias. Mesmo assim, gênio, poeta, músico. Amava assim desesperadamente a vida.

Bigorna- Renê Paulauskas

O mundo tá uma pólvora, tá uma bigorna. A gente tenta levitar com corrente nos puxando pro chão. Esse mundo tá maior que a ilusão. Tá um verdadeiro mundo cão.