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Mostrando postagens de janeiro, 2024

Materialidade das Coisas (conto) - Renê Paulauskas

Começou a perceber que as coisas tinham uma materialidade além de seus pensamentos. Uma formiga minúscula apareceu em sua mão. E em vez de olha-lá com calma e atenção, a matou. Em seguida reapareceu e a matou de novo. Já tinha visto deuses africanos, o espírito do seu pai, não poderia refutar tais visões jamais. Mas duvidava que hoje em dia as teria. Assim teve medo de renunciar tais visões. Mas acreditar no invisível ficou cada vez mais distante. E ficava contente que fosse assim. Enfim tinha um mundo em seus pés. Poderia desbrava-lo mesmo estando na meia idade. II A única mulher que às vezes desejava conhecera ainda criança, bem antes de se tornar mulher. Seu desejo era não por seus tributos pessoais, apesar de se tornar uma mulher muito bonita. Mas sim por ter sido durante longo tempo ela a deseja-lo. Sua primeira namorada também a conseguiu assim. Depois de saber de seu interesse a procurou e começaram a namorar. Já a moça, tinha tido uma filha e se casado. Parecia que não havia mu

Acordado- Renê Paulauskas

 Lembro desde pequeno dos pregadores no varal e dos pregadores no chão, como se existisse um enigma a ser desvendado, se deveria ou não recolhe-los do chão e po-los no varal. Hoje penso menos nisso e minha resolução é por motivos mais práticos que abstratos. Me perdia horas em possíveis significados de sonhos. Fazia questão de lembrar das histórias como se fossem tão importantes como as acordadas. Mais novo ainda acreditava estar sonhando acordado. Duvidava da realidade como se tudo fosse um grande sonho impossível de se acordar. Hoje duvido muito dos meus sonhos, os interpreto como impulsos de descargas neurais enquanto o cérebro se reequilibra energeticamente. Acho que perdi um pouco meu lado mais da fantasia, mas me fez bem, eu era muito avoado.

Nosso Tempo - Renê Paulauskas

 Se pudéssemos nos afastar por um momento da nossa época para fazer uma análise de suas características, poderíamos dizer que nosso tempo é marcado por uma visão como se tivéssemos chegado no fim de todas suas possibilidades.  Como se tivéssemos chegado ao fim, da arte (como se todas possibilidades estivessem esgotadas), da vida (pelos eventos climáticos extremos), da sociedade (desinformação e fascismo). Assim o ser humano não vendo um futuro recorre a fuga, ora pela fantasia, ora desinformação (em formato de informação) deixando de lado o que seriam as coisas do mundo de fato gerando uma sociedade cada vez mais alienada e individualista dominada por quem controla o capital, a política e a informação. Numa zona cinza onde o capitalismo gera impacto ambiental e o mundo busca alternativas para não elevar ainda mais o clima extremo, a política se divide entre a consciência pela ciência e a barbárie pelo fascismo neo liberal. Como sairemos desse período negro, não sabemos. Talvez precise

Saúde Mental - Renê Paulauskas

 Lá fora o mundo gira sobre forças materiais, leis da física, relações sociais, política, economia etc. No mundo interno o funcionamento das coisas tem haver com mundo mágico, afetos, crencas, superstições etc. É um mundo externo funcionando a todo vapor por pessoas movidas internamente por questões subjetivas às vezes só discutidas em análise. Saber equilibrar esses dois mundos é o sentido que carrego há anos, sabendo do perigo de um mundo engolir o outro, seja através do material, pelo excesso de trabalho. Ou pelo espiritual, gerando a loucura. Os dois efeitos colaterais se manifestam na falta de saúde mental. Que para estar equilibrada requer equilíbrio entre os dois mundos. Os remédios ajudam, análise faz parte, mas se o mundo interno não está funcionando bem de modo saudável, certamente não funcionará também na vida social. Do mesmo modo o excesso de trabalho pode deflagrar diversos transtornos mentais, que depois viram entraves para continuar a trabalhar. Pelo menos na mesma funç

Loucuras juvenis- Renê Paulauskas

 Nós pedíamos moedas para minha mãe para beber um litrão no bar mais barato do bairro. Éramos felizes com quase nada. Nos bastava os amigos, as amigas, como ela e a juventude.  Ela era sete anos mais velha do que eu, mas se sentia uma velha ao meu lado. Nos conhecemos por intermédio de uma outra amiga, maluca e ninfomaníaca, por quem eu estava interessado. Nos conhecemos no bar porão Lá Pe Jú perto da rua Augusta. Beijei ela na frente da ninfo pra fazer ciúmes. Perguntei "pra minha casa ou pra sua?". Ela falou que morava com o marido, mas estavam separados, foi aí que o caldo entornou. Meses depois estávamos os três: eu, ela e o marido como melhores amigos, comendo, bebendo, escrevendo, fazendo arte, os três. Mais tarde ainda descobri que ela falava pro marido que nós dois éramos somente bons amigos. E falava pra mim que estava separada quando não estavam. Ela estava apaixonada e eu só queria diversão. Um dia saímos eu, a ninfo, um amigo escritor e ela. Fomos num bar na Augus

Vinil (conto) - Renê Paulauskas

 Vinil era um jovem inteligente que adorava contar suas histórias de ter prestado o Exército no fim dos anos noventa.  Seus amigos o adoravam e contavam que adolescente ele escalava o prédio em que morava na avenida Pompéia até seu apartamento no quinto andar. O conheci na escola de desenho por um amigo em comum. Conversamos rapidamente mas logo me convidou pra sair junto com sua amiga. Fomos numa Have no Bexiga. Passei meio mal e disse a ele que estava indo embora. Ele disse: __Vai com meu carro! __ Eu não sei dirigir. __ E rimos. II Vinil começou a me visitar em casa. Eu contava os sonhos que tinha tido com riqueza de detalhes. Ele falava das viagens que tinha tido com ácido. Até que depois de um tempo ele começou a falar umas coisas sem sentido. E começou a piorar. Eu não sabia bem o que estava passando com ele e preferi me afastar. III Longos anos se passaram até que o reencontrei, quando já estava terminando a faculdade. Trocamos telefones e marcamos de nos encontrar. Fiquei saben