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Quebra de Rotina- Renê Paulauskas

Ele acorda todas as manhãs às oito horas. Às nove toma café da manhã, depois volta se deitar ou fica impaciente esperando o dia começar. Ao meio dia almoça, depois sai para o pátio nos dias de sol. Passa à tarde em pequenas atividades ou ao ócio sem opção. Às seis da tarde toma seu banho e após vestir seu pijama come sua última refeição. Todos os dias são iguais, mas daquela vez aconteceu algo diferente. Seu corpo de fato acordou às oito da manhã, mas seu espírito ficou ali na cama até mais tarde, preguiçoso, se afagando entre os lençóis se lembrando do beijo carnudo da ruiva vampira de seu sonho. Foi fazer o café de sempre, com uma fatia de pão na frigideira, mas imaginou um banquete de frutas exóticas das partes mais distantes do país e de outros continentes, onde pudesse conhecer através do extravagante sabor um pouco mais sobre sua origem, hábitos peculiares, novos pontos de vista, como uma espécie de antropólogo de frutas. Almoçou uma comida gostosa, como havia de ser de fato a...

O Filho da Chocadeira- Renê Paulauskas

O mundo, d’onde nascem formigas sem fim, carrega um filho solitário. Parece que as coisas não se importam com isso com suas buzinas, escavadeiras, edifícios e usinas. O menino parece ter nascido de uma chocadeira. Logo desaprendeu a andar, falar, ouvir, olhar, rir e pensar. As coisas saíram dentro dele e se alojaram num outro lugar. Foi assim que se viu num branco, um lugar vazio, até de ar. Lá parado o mundo ficava cada vez mais devagar. E quanto mais devagar mais aumentava sua pressa de sair dali. Até que viu uma sombra. Umas pontas em cima, um corpo cumprido, que balançava junto com ele. A sombra crescia quando se afastava como um gigante. Quando se aproximava ia encolhendo, parecendo um anão. Procurou outras formas, como seres curiosos que nunca tinha visto. Então ouviu barulhos: Um motor de um carro lá longe que desenhava as ruas de seu bairro, um amontoado de latidos do lado que pareciam uma estranha sinfonia desafinada, uma festa do outro lado com crianças que pareciam mais...

Seus Olhos- Renê Paulauskas

Caminhava olhando para o chão, acreditando ter que fazer pegadas desenhando coordenadas, como se essas definissem os próximos passos de sua trajetória. Assim, caminhava até o bar. Lá era um homem normal, ninguém sabia de seu problema ou pouco se importavam. Em algumas ocasiões se descontrolava eufórico, coisa que incomodava seus colegas de copo, mas nada que ao se desculpar não fosse aceito em seu grupo. O engraçado é que ao contrário do que ele imaginava que, nessas crises de euforia, que fora aceito como um homem valente, forte, vigoroso e na sua fantasia até temido. Também se achava irresistível e mais atraente para as mulheres do que de fato era. Tinha um ego fenomenal. Fazia fantasias inteiras com mulheres que tinha tido pouquíssimos contatos de uma maneira que lhe cobriam o vazio de falta de relações humanas de modo que tudo o que imaginava era irrepreensivelmente maior do que a coisa em si. E desse modo se tornara um exagerado, não de dar ênfase de modo a trazer pra si at...