Tortura- Renê Paulauskas

´´Não tenho ar, o ar não chega...´´ Essas eram as palavras de Roberto, que se achava sortudo num mundo ingrato, agora se dava conta que sua dor o cavava por dentro a ponto de o sufocar. Morreu naquela tarde quando os policiais à paisana levaram-no de sua casa. Voltou duas semanas depois morto. Morto-vivo. Sem pés, sem mundo, sem chão. Não confiava mais em ninguém, mas pensava. E como pensava, existia. 

Das paredes descascadas, começou a enxergar seres. Dos ruídos de madrugada, música. Escrevia o que passou a brotar. Foi povoando seu deserto como pode. Foram dias, meses, anos e até que ficou um mundo habitável, onde ele escolhia pessoas a dedo para habitarem junto com ele.

Começou a trabalhar com arte, fez vários colegas, alguns amigos. Namorou uma musicista, que depois de um ano e meio engravidou e foram morar juntos. Foi um ótimo pai. Separou, conheceu outras mulheres... 

Mas naquela noite não conseguia dormir. Aquela sala, aquele dia... Aquele choro, aquela noite... Nunca saiu dele. Naquele momento, todo seu ´´mundo habitável´´ estava agora de novo escuro e opaco. Estava cego novamente. Foi tateando até o computador da sala e começou a escrever lentamente, até conseguir aspirar alguma coisa pra dentro.  

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