Quebra de Rotina- Renê Paulauskas

Ele acorda todas as manhãs às oito horas. Às nove toma café da manhã, depois volta se deitar ou fica impaciente esperando o dia começar. Ao meio dia almoça, depois sai para o pátio nos dias de sol. Passa à tarde em pequenas atividades ou ao ócio sem opção. Às seis da tarde toma seu banho e após vestir seu pijama come sua última refeição. Todos os dias são iguais, mas daquela vez aconteceu algo diferente.
Seu corpo de fato acordou às oito da manhã, mas seu espírito ficou ali na cama até mais tarde, preguiçoso, se afagando entre os lençóis se lembrando do beijo carnudo da ruiva vampira de seu sonho. Foi fazer o café de sempre, com uma fatia de pão na frigideira, mas imaginou um banquete de frutas exóticas das partes mais distantes do país e de outros continentes, onde pudesse conhecer através do extravagante sabor um pouco mais sobre sua origem, hábitos peculiares, novos pontos de vista, como uma espécie de antropólogo de frutas. Almoçou uma comida gostosa, como havia de ser de fato a rotina dos seus dias e foi passear inquieto.
Encontrou uma vizinha que desejava a um bom tempo. Cumprimentou timidamente e entrou em casa, mas a levou no pensamento. Chegavam e abriam duas cervejas. Ligavam o som, mostrava seu quarto, seus instrumentos, discos e esculturas. Bebiam ao o som do Jorge Bem. O papo era bom, ela sorria. Ela o olha e as bocas se tocam num beijo, onde dançam as línguas como dois corpos se conhecendo. Namoram freneticamente ao som do Bem Jor naquela pequena cama quente e molhada fazendo jorrar  cerveja em seu corpo feminino como um grande estouro de vida que desapaga, como fogos de artifício. “Como seria bom! Bastaria convida-la para tomar umas cervejas! Se não fosse minha necessidade de tomar um banho e jantar...”
Após comer ele se deita. No meio da noite o vão acordar. Dizem: “Chegou a hora!” Assustado e surpreso grita: “Eu sou inocente! Eu sou inocente! Não! Socorro! Eu sou inocente!” Seu corpo é arrastado contra a vontade em meio aos gritos e lamentos por um corredor estreito em que em vão suas mãos tentam se agarrar em grades silenciosas fazendo ecoarem do debater de seu corpo desesperado. 

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