Zé Preto (conto) - Renê Paulauskas

 Jaime Oliveira Santos, também conhecido como Zé Preto, trabalhava como telemarketing de cobrança na capital. Fazia tudo para conseguir chegar a meta do fim de mês, mas dava desconto sempre pra um ou outro aposentado pobre com que se apiedava. Tinha parado de beber. Só trabalhava o pobre diabo, seis por um, na sua folga ia pra praça com seu amigo. Ficava quieto, apenas via o por do sol. 

Até o dia em que foi desligado da empresa para não registrarem sua carteira. Zé Preto foi pra praça. Nada descia, nada falava. Seu mundo caia. Foi aí que tomou um gole, um copo, uma garrafa de cachaça. Se transformou... Virou malandro, jogador de capoeira, o famoso comigo ninguém pode.

Seus pés deslizavam no ar feito folhas secas pelo vento. Ria um riso louco com olhos arregalados. Falava com todos, de todos era amigo. Quando passava a euforia, dormia, acordava fraco. Começou a gastar o que não podia. A não voltar pra casa da tia. Mas sempre, dias depois, se arrependia. Zé Preto sofria.

Passava os dias assim, na corda bamba. Procurava emprego de dia, e quando saia, bebia, vivia, se divertia. Era dois. Um contido, outro extrovertido. Um sério, outro alegre. Um branco, outro preto. Zé preto era pardo.

De lá pra cá, observava as motocicletas e bicicletas de um lado pro outro. Ficava louco, imaginava uma liberdade que nunca tivera fosse como telemarketing, garçom ou assistente de administração.

Pediu emprestado uma bike de um amigo, baixou o aplicativo, não deu outra, Zé Preto virou entregador de bike. Nos intervalos acendia um baseado. Rodava todo centro da capital. Passou a beber menos. Virou um trabalhador livre. Quase sem direitos. Mas vivia mais feliz, menos preocupado, com planos de comprar uma moto até quem sabe.


II

Seu amigo era desenhista. Tinham se conhecido quando Zé Preto tinha 24 e seu amigo, Renê, 35. Para Zé, seu amigo era um artista. Gostavam de fazer um som juntos e conversar sobre cultura. Zé tinha sido ogam mais jovem. Iam em festas como Coco, Cavalo Marinho e Maracatu. A primeira vez que fizeram um som juntos saíram doze músicas. O Zé começava no violão e Renê improvisava na gaita e nas falas. No dia seguinte Zé não sabia mais outras melodias, mas Renê fez mais doze letras pras mesmas tocadas no violão e isso virou uma piada entre os amigos.

Tocar violão com seu amigo deixava Zé mais leve. Era como se fosse um descarrego, e no final uma paz. Também tocava percussão, cantava músicas de capoeira, alguns sambas e música brasileira.

Era um excelente capoeirista, levava essa arte pra vida, como auto defesa, uma vez que tentaram levar sua carteira. Soltou um pé de arraia nos dois moleques, que teve tempo pra se livrar e pedir ajuda. Outras como dança, Zé preto era um ótimo dançarino. 

Mas nunca levou esses dons como algo a se levar a sério. Não se imaginava trabalhando com isso. Para ele, trabalho era algo sério.


III

Algo que eu sempre invejei nele, era o modo como tratava com trabalhadores como garçons, caixas, e serventes onde passávamos. Sempre com simpatia, um sorriso no rosto, que logo desatavam a conversar com uma facilidade que eu não tinha.

Zé preto odiava quem falava difícil, ou coisas que ele não entendia. Era simples e gostava de gente simples. Gostava de astrologia e realmente acreditava nela. Aumentou o leque de conhecimentos gerais conversando ao longo dos anos comigo e uma namorada por quem se apaixonou.

Hoje não conversamos mais, mas um pouco da simpatia dele eu assimilei. Nossos quase dez anos de amizade serviram pra isso. De ter nele um pouco de mim e em mim um pouco dele. Zé Preto não é seu nome, muito menos Jaime Oliveira Santos. Guardo em sigilo, só para quem fez parte da nossa história.  

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