O COMEÇO DA NOITE- RENÊ PAULAUSKAS

O começo da noite

I

A vida
É uma pegada distante
Algo não ouvido
Não visto
Inconsciente
E quando tu ouves os degraus no instante
O arrastar dos insetos
É você que está vivo
E despercebido
Por todos os outros que fazem barulho

II

Tenho dito às folhas
Que meu tempo não se passa aqui
E elas dizem pelo vento
Que não sou mesmo de cá
Que queria voltar ao sumo
Ao tempo que ai de ter sido planta
Ou até ainda antes
Quando um meteoro me trouxe aqui
Ainda do lado oposto de tudo
Doutro lado do mundo
Antes de ter começo
Antes de ser assim
E volto a olhar a folha
Só ela tem tempo pra mim

III

Num poema se criam mentiras
Ficções criadas por uma lente verdadeira
Que se traduzidas por si
Si perde no vento ao esbarrar uma parede
 Mas algo transforma o dito
Não podendo saber de onde vem
Transluz
Ilumina
Expande
E engole
Engole a alma a poesia
E nesse enigma
Nessa senzala
Escreve o homem
Sem ter domínio de nada

IV

Triste os sonhos de Pierro
Tão afastado da vida
Sonhando
Afastado de tudo
Se eu pudesse lhe falar
Mas não ouve nada
Está encantado
Nem a própria colombina pode lhe dizer
Pois não é ela que ele vê
Nem um beijo pode acalmar
Pois os beijos dela a tocar sua boca não seriam mais dela
Nem o toque suave em sua pele traria a verdade de se conhecerem
Esse amor que parece tão puro
É mais egoísta a cada dia que passa
E se deixasse ele só agora
Talvez fosse o melhor a fazer

V

Só quando estou bem relaxado
Consigo poetizar
Como se uma senhora da rua
Bem velhinha
Soprasse nos meus ouvidos
Como se o carteiro me trouxesse respostas
E é nesse balançar
Como de muitas crianças
Que me faço essa dança
Uma ciranda de palavras
Que vai preenchendo meu tempo
Dando rumo
Como folhas caindo
Se ajeitando
E distraídas como tais
Dou por fim um asfalto
Que é esse beco
E o fim sem medo


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