A Folha (micro-conto) - Renê Paulauskas

Após o almoço a folha estava ao contrário, mas nem por isso o desenho não fazia sentido. Na verdade o autor estava focado em outro papel, tentando com toda sua pretensa habilidade dar cor aos seus estudos de anatomia uma escrivaninha abaixo de seu mestre, quem admirava profundamente.
Voltando à mancha, era só um depositário do seu pincel enquanto com toda precisão tecia manchas de Ecoline no Schoeller, o outro, simples Sulfite para limpar o excesso de tinta.
Passou a tarde estudando músculos, fazendo o possível para ser o mais realista, mas as cabeças ainda saiam grandes como engraçadas caricaturas, onde se entregou ao humor fazendo um deles, dos halterofilistas, escondendo o pênis com uma mini toalhinha de academia. E no final limpava o pincel.
Lá pelas três da tarde o espaço já estava quase cheio de tinta, mas ele nem se importava em troca-lo apesar de já começar a ficar cansado de tanto ver anatomia e perceber que tinha pouco talento para o realismo.
Chegou seu chefe e deu um pouco de demonstração de como deveria estudar. Músculos viscosos, homens em estruturas gigantescas, luz, movimento e realismo brotavam no papel como desenho animado, tudo isso sem molhar o papel rascunho. Seus olhos vidrados não saiam da escrivaninha e depois de seu patrão desenhar três rafes, largou o instrumento de trabalho subiu para sua mesa ao lado meio metro acima, voltando ao serviço.
Às cinco horas, o chefe se despediu, pedindo para ele sair quando acabasse. Após fechar a porta foi andar até a estante de livros do lado da sala. Voltou, enrolou, e quando viu seus estudos achou tudo aquilo uma grande perda de tempo.
Deixou uma folha melhorzinha na mesa e jogou as outras no lixo sem hesitar. Foi limpando os copos de água para diluir tinta, os pinceis. E por fim foi jogar a folha usada para tirar o excesso de tinta, quando a virou e viu naquela mancha a cachoeira mais realista que já tinha pintado. 

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