A fada (conto) - Renê Paulauskas

 É domingo. O último raio de sol desaparece do horizonte como se fosse a última luz antes de segunda feira. Mais um dia de trabalho forçado naquela empresa de tele marketing. Até quarta feira, trabalho pesado sem muito pensar. Quinta começa a se animar. Sexta explode! Bebe todas, fica com gente que nunca viu na vida, só pra se sentir mais vivo. Sábado está de ressaca, mas dá uma volta pela cidade, não muito longe, o dinheiro tá curto e já gastou quase tudo da semana no dia anterior. Domingo liga a TV, e  fica lá, esperando mais um domingo passar entre os programas que já sabe de cor.     

Até uma fada bater em sua janela. Achou que fosse um inseto, quando olhou pro chão, lá estava, desorientada pelo impacto. A achou estranha, mais cinzenta do que poderia imaginar, mas ainda sim, tinha asas e um pequeno corpo humano, se é que poderia chama-la assim. Mas logo fugiu do quintal.

Na segunda, quando chegou no trabalho, do click do ponto ao primeiro bom dia sentiu os sons ecoando em harmonia. Nas primeiras ligações telefônicas sentia ritmo, pausa, e sentiu vontade de cantar. Fez todas ligações cantando, pela primeira vez estava feliz numa segunda feira. Terça e quarta, viu todos os rostos, em suas expressões diárias como caricaturas, não conseguindo esconder o riso em algumas horas. Quinta começou a sentir vontade de conhecer mais fundo as pessoas com quem trabalhava, mas se decepcionou com a falta de profundidade da maioria dos seus colegas, percebeu que aquele lugar não o levaria pra onde realmente queria estar, e sexta feira estava triste.

Sábado passou, domingo veio. Esperou a fada, mas não apareceu. Pensou sobre seu trabalho, as contas pra pagar, em como era cinza aquele lugar. 

Segunda veio e foi trabalhar. Bateu o ponto e foi sentando e fazendo a primeira ligação do dia, quando foi interrompido e chamado para conversar com a gerente.

__Bom dia Rogério! Eu te chamei aqui por perceber um comportamento estranho em você semana passada, e te alertar que essa é uma empresa séria. Tiveram colegas que reclamaram de você rir sem propósito olhando para eles, outras horas parecia estar cantando numa ligação, não admitimos isso aqui. fazemos um trabalho importante, não podemos estragar nossa imagem ou reputação. Mas esta é a primeira vez que temos queixas do senhor aqui na empresa, então estamos dispostos a esquecer esses deslizes desde que esteja disposto a levar seu trabalho mais seriamente. Estamos conversados, senhor Rogério?

__Sim, senhora!

__Agora já pode voltar as suas funções. Obrigada e bom dia para o senhor!

__Não vai se repetir, dona Márcia! Bom dia!

E assim morreu mais um artista naquela empresa, que viu sua cor subir, mas foi engolido pela regras que nem os telefonistas, os gerentes ou os faxineiros sabiam porque foram inventadas. A não ser pelo capitalista dono das empresas: Mister Porco. Mas isso é uma outra história.

Comentários

  1. Parabéns Renê, já é um excelente caricaturista e como escritor, crescendo a cada dia!

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