Eles e eu- Renê Paulauskas

Eles erram uma vez com você e você tolera, eles erram duas e você releva, eles erram três e você suporta, até que um dia você explode e eles nunca mais te perdoam, nunca mais te escutam, nunca mais te veem como uma pessoa normal. Sociedade hipócrita que não vê os próprios erros e condena tudo o que desagrada sem nem se dar o luxo de questionar. Sociedade de egoístas, injustos e ignorantes, tenho vergonha de estar dentro dela, de ter que conviver com esse bicho que parece tão dócil e é tão ruim. Mesmo eu sou assim, não com todos, mas com aqueles que me desagradam. Miséria humana, falta de compreensão nas massas, e me corrompo um pouco mais a cada dia até não poder mais me ver no espelho.
Talvez eu me apegue às pessoas não por acha-las imprescindíveis, mas por deixar de viver a vida, a nova vida e me prenda a elas ou às suas memórias como se fossem fantasmas, bonecas de cera para não me deixar sentir-me sozinho. E volto a elas sem retorno, como um pica-pau a ficar batendo na árvore, uma árvore. Por outro lado tenho preguiça de novos amigos, talvez pelo mesmo motivo que vi tantos fim de amizades por motivos banais. Me escondo entre as bonecas de cera, os fantasmas do passado num quarto fechado com a sensação de que tudo está bem. Até perceber uma falha, um ruído, algo fora do lugar. Daí me ponho a jogar fora todas as bonecas, afastar os fantasmas e abrir as janelas. No outro dia, sinto falta delas, mesmo sabendo que não eram reais, me faziam companhia, estavam vivas, sentirão dor.
Essa carência que me suplanta, faz de mim um homem perdido. Um homem sem rumo, um homem frágil. E quando alcanço o sucesso é sempre um inspiro, um instante que me deixa atônito e feliz, sem precisar de nada mais, a não ser o vento e a paixão. Deste mundo nada levo, levo apenas memórias. As mesmas que me imagino feliz e são passados em corpos estranhos. Quem dera pudesse as alcança-las, sem precisar de seus corpos, sem precisar revivê-las, apenas lembrar e fugir. Preciso aceitar este fato. O fato de memórias existirem sem seus corpos e morrer infeliz como todos jaz.
E tento esquecer e viver a vida, mas essa me parece cinza e apenas em alguns momentos fica rubra como frutas cheirosas e suculentas a experimentar. Maçãs, uvas, ameixas, que me fazem brotar, como vinho, pães, queijos, que me fazem viver, como o cinema, a música, o poema, que tragam as horas, os dias, e fazem de novo as memórias que prendem numa vida que não está mais aqui. Porque viver do cinza não é possível, como não é possível comer cigarros. Mas existem aqueles que são exceções. Aqueles que constituem tantas memórias que já fazem parte da sua história, que mesmo em trajes cinzas, tem nosso respeito e afeto, aqueles poucos que resistiram a tudo, que te aguentam e são tão insuportáveis como você é. Esses são os únicos verdadeiros, os outros, meros travesseiros.
E nos tornamos preguiçosos em fazer novas amizades, como velhos com problemas nas juntas. E os dias passam cinzas, como praias vazias sem conchas, e é hora de voltar a sair, percorrer lugares com novos ares, andar distraído, respirar sem receio, olhar as moças em volta, se permitir ser olhado, paquerar, sorrir, fazer novas amizades, deixar se levar, que a vida sempre foi isso e disso não pode mudar. Que não existem certezas nessa vida pra nada, a não ser, que a morte virá. E se dentro dela estiver antes da hora, se arrependerá.
E o ar fica mais rarefeito, uma camada de pó vai embora. Você sente uma ponta de medo, é natural. Mas vai tomar banho para passear. Vai desta vez com um detalhe. Sabe que a vida nunca será como gostaria, sempre será maior sua ousadia. Sabe que o que pode é muito pouco perto do que ela te inspira. E desta vez será uma espécie de pássaro desperto, sem a preocupação de ser protagonista ou expectador, voará para onde quiser sem destino certo, só pelo prazer de estar vivo e desperto. Só por poder cantarolar nos caminhos mais tranquilos e voar para longe quando é preciso.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

O Homem do Lixo (conto) - Renê Paulauskas

Quase avatares (conto) - Renê Paulauskas

Buraco Negro- Renê Paulauskas