Passados presentes- Renê Paulauskas

Nós éramos jovens, por isso existia mais poesia, mesmo que ainda não no papel. Esbarrávamos nela o tempo todo, vivíamos num sonho, um filme escrito por nós. Tudo era fácil, permitido, permitido? Ou será que foi o tempo que fez parecer assim? Ou será que tudo era trágico, como agora? Bem, não sei dizer ao certo, digo como lembro hoje, daquela cor ensolarada, dos caminhos e viagens inesperados, dos sonhos de olhos tão abertos, que se fossem sonhos, seriam frutos a molhar as bocas, braços a trançar os corpos, noites. E muito ar, ar como nunca houve em outro lugar, este mesmo ar que respiro só de lembrar.
E eram olhos, olhares, desejos, que nos comiam vivos, calafrios, arrepios. E eram rotas, caminhos que levam ao mar, ao rio, ao luar. E era sem medo, desvario sem jeito, volúpia dos pelos, carinho e prazer, carícia e afeto, prazer mundo incerto, estar vivo e não ser, ser a respiração ofegante, o alvoroço nu e instante, o germe do prazer. E eram noites, tão claras sem estrelas, ou de luas sem beira, ou de puro iluminar.
Nascia dos brotos um pomar. A seiva e o pólen se lançavam pelo ar. Era a bruta flor do dia ensinando a caminhar. Era a jarra contida de sucos novos a experimentar. Ela sempre esteve lá. Como parte da minha história. Ela sempre esteve lá, fragmento de memória a dilatar.
Hoje tudo são poemas em aberto. Coisas que passaram e ficaram num lugar. São os mais lindos versos, é brilho terrestre dessa sede de amar. Pudesse voltar aurora, minha vida sedosa, a que eu quis pra ficar. Mas quanto mais me lembro dela, não deixo de na vida encontrar.

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