Um sonho acordado- Renê Paulauskas
Desde criança vivia num sonho, um sonho acordado, onde tudo
parecia etéreo e esfumaçado como uma miragem que não convence o olhar, ou
apenas o olhar e não a mente. Tive uma vida, uma realidade e um espírito neste
mundo, um amor e uma filha, nada posso reclamar. Aos poucos, após a separação
de tudo o que me filiava a este mundo, a antiga sensação de vida como miragem
foi cobrindo meu olhar, e sem perceber, já estava desconectado, seguindo as
vibrações por onde rondavam meus sentidos antenados como esponjas sedentas de
informação. Hoje tomo remédios que controlam para não me desligar novamente.
Sinto uma vontade de me desligar o tempo todo, mas não posso
aceitar coisas como ser de novo amarrado em uma cama e passar trancado e
obrigado a tomar os remédios que já aceitei de toma-los por precaução a tais
atos contra mim em vária internações em pronto-socorro psiquiátrico.
A todo instante coisas despertam meu interesse como coisas
não factuais, mas que fazem sentido talvez num outro mundo, mais interno, ou
não. Coisas me dão provas deste mundo interno, que seriam maluquices dispersadas
sem motivo se as dissesse agora. De qualquer forma um equilíbrio entre a face
real, comprovável e a sensação de miragem em mundo de ilusão são constantemente
equacionadas para manter uma vida tranquila sem deixar de tomar os meus remédios.
Talvez eu tenha sido domesticado a não dar mais vazão aos
delírios, surtos psicóticos, por saber das consequências de acabar sempre preso
no pronto socorro psiquiátrico. Mas sinto que a prisão em não sair para meus
delírios é às vezes muito maior e mais poderosa para viver à mercê de um mundo
falso e cruel. Escapar deste mundo me torna livre e ao retornar de minhas “viagens”
sempre voltei consciente e renovado. Apesar de as últimas terem sido fortes o
bastante para me matar.
De qualquer modo, tendo surtos pesados, que me levaram a
tentativa ridícula de suicídio não sucedido, ou pelas experiências de sentir-me
fora das estruturas materialistas de realidade, atingindo uma consciência espiritual
renovada, não me sinto bem nessa realidade comprovável, como uma estrutura de
prisão fortificada que impede meu desenvolvimento.
As experiências continuam de modo mais sutil, mas às vezes
com a sutileza de um elefante. Entre esses dois mundo vivo a rotina de um cara
dividido. Às vezes, comprovando este mundo real, outras sentindo os “sinais” de
que ele não é real. E nesse segundo caso, às vezes tentando me livrar dessa “alcatraz”
invisível em que nasci.
Talvez queira viver num mundo onde não existam barreiras matérias,
onde tudo possa ser produzido através da mente e tenhamos uma orientação
espiritual para tal. Que basta pensar para realizar, se de modo certo. Podendo
viajar entre vários mundos ao mesmo tempo, um respeitando a viagem do próximo e
vivenciando novos conhecimentos que são desse mundo interno e real, muito mais
real e material do que o comprovável.
Existem deuses e nós também o somos, temos este poder. Basta
experimentarmos, vivenciarmos nossa vida realmente através do interno.
Cada um tem a liberdade de seguir sua verdade interior, mas
deixe-nos viver com nossas experiências, não nos prendendo em jaulas de
remédios ou nos amarrando em camas. Não somos cegos, pelo contrário, somos os
que mais olham e olham longe. É certo que nos perdemos de vez em quando, mas
não é nos reprimindo que cegarão o nosso olhar. Aprendam com nossas vozes, não
nos ocultem. Somos muitos e reveladores de que este mundo não é o que tentam
provar. De que todos nós sentimos provas disso e não é nos censurando ou nos
fazendo autocensurarmo-nos que irão continuar sustentando a falsa cortina da
realidade que não se adéqua ao que sentimos em nossos íntimos.
Que nos deixem optar por continuar a sermos o que somos, ou
a nos aprisionar de remédios e toda forma de autocensura desejada. Que nunca
fizemos mal a sociedade, que sempre fomos vítimas dela. De que não é o fato de
experimentarmos outras realidades que nos faz dementes ou inconscientes, mas
sim alguns remédios que nos impõem, dando-nos a aparência de retardados ou abestalhados.
De que somos fracos sim, como um exército, mas somos milhões
de possibilidades em aberto, caso queiram um dia nos consultar. De que nossa
fragilidade talvez seja a tranquilidade de saber da fragilidade deste mundo “real”,
que pra nós já não existe há muito tempo. Isso não quer dizer que não vivamos
nele, ou deixamos de sofrer de seus males ou deixamos de sentir prazer, só não
estamos mais presos, e isto é uma benção. Triste os que ainda dormem de olhos
fechados.
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