Tentativa de um autor preso em sua obra- Renê Paulauskas

A vida, não a vida, a vida invertida, escrita, pensada, imaginada, esta limitada e glorificada em paginas escritas, como os sonhos, os poemas, as coisas que fazem nexo, que são lembradas, absurdamente verdadeiras e não menos falsas, esta vida, é a qual mais me motiva, deixando a outra vida, cada vez mais em segundo plano, abandonada, esquecida, como substrato dessa vida formada de palavras.
Assim por ela, imagino minha vida invertida, como vida paralela à verdadeira e almejada de outro plano, que não o terrestre, como dizem os físicos, um mundo paralelo quem sabe possível através dum buraco negro. Quem sabe não exista um outro eu neste momento escrevendo e imaginando uma vida como a minha, tão terrena e despropositada que somente um escritor altamente inspirado possa imaginar.
Os medos se perderam pela selva em folhas e paisagens repetidas. Agora só restava a fome. O gesto e o afago foste vago, brando, esquecido. Os olhos não viam outra coisa se não o chão. Assim mesmo não se via assim. Se achava bonito, alegre e inspirado. Pobre ser corrompido pelo ego, cavado em sua estrutura psíquica de modo tão corrupto afim de fazer o pobre ser decadente se sentir um pouco melhor. Retorcia a roupa como movimento expressivo de sua ansiedade, e balançava os pés.
Foste vítima de todos os vícios do planeta. Testaram nele todas as drogas, e ele pedia mais. Algo tão reduzido como esta análise não tem nada de real. Apenas os olhos do escritor, que insiste com sua impressão seja ela qual for.
Então ele dormia e não dormia por dormir ou tentar dormir o dia inteiro. E era como eu. Trocava a vida por outra dentro de sua imaginação, pelo menos é assim que imagino. Foste um play-boi tempos atrás. Tinha vida, discurso, Um mundo inteiro para se imaginar. Foste ficando o terreno cada vez mais árido, sem outras histórias, uma estatua, fácil de se decifrar. Mas é um erro, disso sei, tem coisas que não tenho como imaginar, são outras facetas, outras vivencias, outros lugares que não fui buscar, nem por agora posso. É limitado. É terreno, pessoal, horrível. Pessoal no sentido de eu ser limitado, não podendo jamais definir a um outro com o mínimo de exatidão.
É meu tormento, tentar chegar a algo, que seja outra coisa que não eu, impossível. Talvez eu possa falar de mim. Agora que estou um pouco mais calmo. Algo que seja sincero porém não como eu falando agora. Algo que seja trabalhado.
Difícil! Quer dizer que quando estou falando dos outros estou falando de mim. Falo então de tudo, mas nada me vem. Passos silenciosos no chão molhado azul. Gotas, uma a uma, tocando e acalmando o vento. Uma sereia salta e emerge em águas distantes. O apito do carnaval silencia a todos para grande euforia do carnaval! Vai começar mais um ano. Vai começar mais um ano! E tudo miseravelmente igual a cada nova alegria. Cada novo dia uma ousadia e passa a ser tão passageira e até que um dia, nos sentimos vivos novamente. Mas só passou de um dia. E o dia não volta. E passa então a morrer como o pobre ser descrito no começo do texto, miseravelmente desapaixonado. Desapaixonado não! Desiludido. Isso aqui não quer ser mais um texto a lá Nelson Rodrigues, exagerado e falso! É sim, explosivo em algumas partes pelo temperamento de seu autor.
Mas o que devo falar não sei. Talvez criar alguma história que tire minha imaginação da cadeira. Sempre acreditei que antes de se escrever era preciso viver. Ter o que falar. Não sei se tenho tanta história. As poucas vezes que fiz autobiografias não passaram de duas páginas. Porém me dediquei, dediquei com intensidade às passagens da minha vida até antes de perecer.
Pereci e vi um mundo novo. Um portal se abriu sobre meus olhos e não pude voltar a enxergar este mundo como antigamente. Fiquei tão extasiado com a novidade que quando tenho uma nova “viagem” é um prazer mórbido. Mórbido porque as últimas “viagens” foram pesadas. De uma densidade esmagadora, capaz de fazer muitas pessoas se suicidarem. É eu avisei!
O problema quando se enuncia algo muito pesado é que aquilo causa um mal estar por um período longo, se não, quando abandonam de vez o texto. Por isso peço que beba uma água, respire e sobretudo, acredite, tem coisas que são mais pesadas para quem lê do que para quem vive.
Lembro uma vez que estava de saco cheio de estar e não conseguir sair da “viagem” mais terrível que já tive então resolvi que se não dava mais para aguentar, teria que dar um fim aquilo. Não deu certo, pode relaxar, foi um fracasso e segundos depois estava tendo um ataque de riso e saído da depressão.
Mas não quero que este texto seja um texto de um doente. Gostaria do contrário, que existissem mais coisas ao mesmo respeito sendo escritas por pessoas dos mais diferentes tipos sociais, de cultura e intelectos. Mas não há, é um tabu.
Está anoitecendo aqui, beirando à luz lusco fusco, que tanto gosto. Gosto desse azul pois tinge tudo ao redor como uma tinta nanquim azul. Os pássaros, não sei quais, seus nomes, nem os vejo, fazem um barulho espaçado muito relaxante. Agora parece um canto e a luz um pouco mais forte, ou mais azul.
Gostaria de continuar a falar com você só pelo prazer de escrever, mas escrever para uma folha em branco tem lá suas limitações, como não haver resposta ou sons que dialoguem com nossa voz. Se começa animado, pega-se um caminho e desanima-se quando menos se espera.

II
Agora está tudo tingido de azul, com sua tinta que nos apaga e unifica e sermos tudo e nada por breves minutos.
Um dia imaginei fios coloridos que ligavam umas pessoas a outras numa grande união universal. Nunca estive tão feliz. Entrei no metro e perguntei à moça ao lado se queria jantar comigo. Pena que não durou. Quando a moça me ligou o encanto tinha se perdido.
Fico muito feliz às vezes, é verdade, mas isso não é um relato de um bipolar para fins terapêuticos, use como quiser, ou segundo você mesmo, só não seja limitado.
Acho penoso a situação dos doentes psiquiátricos no mundo. São pessoas que são ainda rotuladas por motivos dos mais diversos só por no passado recente estarem todas presas aos manicômios ou hospitais psiquiátricos. Acho um grande avanço os CAPS aqui no Brasil, mas quando vejo, por exemplo, um amigo meu, um baita escritor, que tinha trabalho e uma vida, achar que é Bipolar só por ter consultado um psiquiatra e passar a deixar o trabalho para frequentar o CAPS de sua cidade, acho uma tremenda burrice.
Acho que os rótulos como: Esquizofrênico, Bipolar, Adicto etc só servem para os psiquiatras terem controle sobre como lidar com os pacientes de forma desumanizada. Socialmente estas definições não fazem sentido nenhum. Aliás, rótulo nenhum tem sentido algum a não ser reduzir e discriminar.
Para escrever é preciso um fôlego que ainda não tenho. Me esforço como um asmático entusiasmado para chegar a algum lugar. Mas haja fôlego! Enquanto isso vamos abandonando a vida, deixando de ver os amigos, sair na rua, só para ficarmos aqui, com vocês, nossos leitores, pelo menos é o que imagino.
Voltei! Fui dar uma pausa, comprar um croissant, ver um pouco de TV. E deixo essa mesma de fundo ouvindo um programa musical brasileiro. Ouvindo os comercias é mais difícil de se concentrar, mas cobre o vazio ensurdecedor que aparece diante da solidão de frente para o papel em branco, ou tela. Ouvindo de costas o programa, fica claro a falsidade dos músicos ao se apresentarem e em como o apresentador é ingênuo. Sinto vontade de comer sorvete, mas já passa das dez e tenho quase certeza que sentiria uma indigestão. Fazer certas escolhas é importante na vida. Quando somos jovens escolhemos enfiar o pé na jaca quase sempre, quando vamos ficando mais velhos já dá medo que daquilo apareça alguma doença. A música de fundo está muito ruim, mas ainda me dá a falsa impressão de conviver com algo além da tela do computador. Afinal estou tentando relaxar.
Desliguei! Antes preciso falar uma coisa: tem coisas que jamais contarei a ninguém, que morrerão comigo e fico tranquilo com isso. Tem certas coisas que não se deve contar, no máximo uma vez para um psicólogo, mas que se perceba logo que não adianta muita coisa. Melhor conviver com isso da maneira mais possivelmente harmoniosa, se é que isso seja possível e não pensar muito no assunto. Às vezes são detalhes que nos fazem pensar durante grande parte da vida, ora com uma raiva homicida, ora relativizando os fatos para doer menos. São traumas, todo mundo os tem.
Além disso posso falar dos meus pelos. Nasci com pelos nas orelhas e acredito que em muitas outras partes, que caíram evidentemente e nasceram novamente, hoje eu sendo um homem de 35, quase 36anos muito peludo e tendo tido dificuldade para me aceitar quando adolescente. Uma vez, com 17 anos, recitei no espelho: ”Amo meus pelos!” 47 vezes. Minha primeira namorada não gostava muito dos pelos, então resolvi raspar o corpo inteiro. Foi aí que percebi que ela gostava dos das pernas, dizendo: “Mas raspou os das pernas também? Por que você raspou as pernas?” Só fui resolver de vez esse problema de não aceitação dos pelos, quando na namorada seguinte, me falou um dia no banheiro, enquanto morávamos juntos, ela grávida do nosso filho: “Sabe como eu limpo os pelos do sabonete? Me ensaboando!” Não foi a toa que se tornou a mulher da minha vida, nos separando três anos depois.
III
Casei muito jovem, tive filho muito cedo e experiências suficientes para uma pessoa ter ao longo da vida, tudo muito cedo. De modo que não me resta muita coisa se não escrever. Não como autobiografia, que como disse, não resulta em muita coisa, mas como passa tempo, como agora.
Queria tomar um banho, mas não quero gastar água. Esse tem sido o conflito por qual estamos passando enquanto humanidade. Por um lado o mimo de séculos de desejos ininterruptos e agora o duro limite do fim dos recursos naturais, algo que para os mais velhos esta e sempre estará corrompido pela velha ideia de lucro e ganância. Enquanto isso, nas periferias, já é apocalipse.
De alguma maneira, o fato de estar aqui escrevendo, pensando em coisas, me faz muito bem, do tipo que não faço, ou faço muito pouco ultimamente. Outro dia vi um programa de televisão que dizia que ao meditar o meditador sente o tempo passar mais lentamente, pois se fixa no agora. Sempre pensei que fosse o contrário, que ao meditar de verdade, o tempo passaria mais rápido, então percebi que sempre meditei, medito o tempo todo, menos quando estou criando, rindo ou me divertindo, o que é muito mais saudável.
Agora, um detalhe, a pressa não leva a lugar algum, no máximo a agilidade. Uma obra não pode ser feita, lida ou digerida com pressa. Deste modo não me obrigo à coisa alguma neste texto, numero de páginas, conteúdos. Assim me liberto para poder liberta-lo.
Existia uma ameixa tão suculenta, sensual e maliciosa que dançava flamenco de modo tão expressivo, mas quando quis morde-la, fugiu sem explicação. Outro dia apareceu um pêssego exorbitante, altivo, formoso, mas ao tocar sua pele era áspera e sua carne dura. Foi então que conheci a nêspera, que me pediu um beijo dizendo que era virgem. Beijou minha boca e era tão gostosa sua língua, tão sensual seu corpo, que acredito, que só por tê-la beijado, provoquei outras mulheres. 
Não acredito em nada no materialismo, antes era sim convicto. Depois de minhas “viagens” seria absurdo acreditar nisso. Acredito que você não exista. Acredito que estou sozinho neste mundo. Acredito que tudo passa a ser moldado a partir de minhas ideias. Acredito sobre tudo que isto é loucura, então acredito em parte, mas não levo às vias de fato nenhum desses pensamentos.
Minha última experiência com uma mulher não foi muito boa. Ela era ruim de tudo, inclusive como pessoa. Mas era aparentemente boa em tudo, inclusive como ser humano. Resolvi terminar com ela no segundo mês. Mandei-lhe uma carta dizendo que fosse mais feliz com alguém que lhe desse mais alegria, parece que a minha não bastava. Hoje acho que fui infantil, não em terminar com ela, mas em mandar a carta. Certamente ela tinha depressão ou alguma coisa que por mais que ela mude de parceiros não será suficiente para sua felicidade. Sei que sou cruel às vezes, mas é só para causar um efeito.
Vou encerrar por hoje, ainda não é hora de dormir, mas não quero passar a me limitar a ficar escrevendo o dia todo como se não tivesse mais nada de bom para fazer. E o pior é que talvez não tenha mesmo, mas ainda assim sou uma pessoa que aspira ter uma vida, como já teve, em dias tão inconscientes, uma pessoa normal, como você, se é que você é normal, ou outras pessoas por aí, ocupadas em viver, aproveitar a vida, trabalhar, estudar, namorar e sobretudo respirar.

IV
Bom dia! Acabei de levantar, tive um sonho estranho, duvidoso. Sonhei que encontrava um antigo colega de teatro, da época da adolescência, e eu falava pra ele que viraria escritor que desistira de virar ator, coisa que até outro dia me motivava. Ele dizia: “Que bom! Todos nós temos uma circunferência, não podemos ser tudo” Algo assim ou com esse conteúdo.
De um tempo pra cá desconfio dos meus sonhos, desconfio até de mim. Antes eu os interpretava como coisas do “inconsciente”, sem nem ao menos entender o que isso significava. Hoje eu desconfio de um jeito paranoico, como se rodassem um filme em nossas cabeças com um propósito.
Não acredito na vida e estou estagnado, acredito, por este motivo. É difícil acreditar em algo que te dá tantas provas de ser falso. Porém estou tentando, já que não se pode fugir para outro lugar, melhor voltar a ter uma vida, é o que concluo.
Por isso essa fantasia de me tornar escritor, voltando a ser alguma coisa se recupera a vida, ou parte dela, é esse o motivo de meu sonho desconfio. Sinto saudade do tempo em que era ingênuo, motivado, infantil, agora é difícil voltar. Se voltar vai ser de outra forma, mais consciente, complexo, porém não menos inspirado.
Porém, quando voltar, acho que sentirei saudade dessas “férias”, de ter tanto tempo livre para pensar e não pensar, fazer e nada fazer, esse deserto de gente, essas horas como um oceano. Tentei enfim aproveitar o tempo para fazer da minha vida o que queria, foi em vão, não se consegue isso sem a ajuda da vida, ou do sistema.
O sistema é tudo o que faz acontecer, não pense em regras da física ou materialismo, não penso assim. Acho que as coisas acontecem por uma sintonia de espécie de frequência em que estamos sintonizados. Podemos encontrar no exato mesmo lugar o paraíso ou o inferno, a vida mais artificial ou a mais exuberante, tudo depende de nossa química cerebral.
É aqui, na nossa cabeça que tudo acontece, através dela nossos olhos são projetados, os sinais alterados, o mundo absorvido de modo impar, nos colocando em ciladas, às vezes banais como se apaixonar pela pessoa errada, outras que te fazem vítima de um sonho que não acaba, meu caso.
Quem me dera deus, a quem me dera, poder sorrir a toa na primavera, ver o mato lindo e me inspirar, escrever um livro para guardar. Quem me dera deus, há quem me dera, ver o moço rindo na quaresma, e sentir o vento a beira mar, ver o povo todo a se encontrar.
Hoje não é o primeiro dia, é o segundo, difícil escrever cinco páginas como ontem, escrevo aos poucos sem forçar para não enjoar e peço a todos vocês um pouco de paciência, como este parágrafo sem sentido a não ser o de pular algumas linhas e começar o subtítulo na pagina abaixo, a qual acabei de invadir.

VI
Fico pensando, aturar um livro é como aturar uma pessoa, com o detalhe que se pode largar o livro a qualquer hora sem magoar ninguém. Larguei o último livro do autor do livro O Estrangeiro, o qual roubei de uma exposição de um poeta falecido de que não gosto muito, O Estrangeiro é ótimo.
Hoje o dia aqui esta chuvoso de gotas esparsas, nublado, cinzento, ótimo dia para ficar em casa, mas vou sair, voa a minha psiquiatra, a substituta, que virou oficial, aquela que não olha nada, só receita remédios de três em três meses, e quer saber, da minha vida cuido eu!
Gostaria de dar um sopro de vida, como a Clarice Lispector saberia, todos são filhos dela e ela é cruel como sempre, acredito só para ter um efeito no espectador. Eu ao contrário estou imerso num corpo cheio de ruídos, como dizem no teatro.
Inconsciente da vida, de meu texto, vou dando ênfase no que não vejo, minha loucura, minha alteração de humor, e coisas que ainda não percebi. Mas eu quero criar um personagem, não importa se vai ser ainda mais deficitário do que eu, ou ridiculamente ou falsamente mais bonito, inspirado, ou doente, atormentado. Quero-o aqui passeando pelas paginas deste livro ou texto.
João era tímido de um nariz voluptuoso e olhar vivo, vesgo! Passava as horas sozinho e quando encontrava alguém se assustava por um décimo de segundo, nos outros nove retomava o fôlego e interagia como podia, dependendo de quem, como ou quando. Um dia conheceu uma moça no teatro, era gordinha e deliciosamente fofa, até no jeito de falar, tá certo! Talvez fosse mais arrojada do que fofa, mas João não via isso. Um dia saíram para um quadrilha e ela pediu para eles saírem dançando, ele, pobre diabo! Disse que não dançava e ficaram parados ali olhando os outros. Até que seu pai apareceu dançando com uma outra mulher que não sua mãe, que estava separada desde que ele fizera sete anos de idade, com uma mulher muito bonita, que sorriu para eles dizendo que eram lindos. João, então foi levar sua amiga até o ponto e beijo nenhum aconteceu. Anos depois, quando ele tinha operado o nariz, se encontraram nos corredores de uma escola de inglês, ela pediu que a ajudasse a levar o som até sua sala e novamente nada aconteceu. Agora João tem quase 36 anos, fios brancos no cabelo e já não tem muita esperança que um dia dancem, não daquela maneira que seria. Hoje sabe dançar, mas não tem um décimo da empolga de alguém que não saiba.
João estudava desenho numa escola de seu bairro. Um dia, uma aluna mais velha o convidou para dar uma volta com seu carro. João foi, foi desvirginado no motel mais próximo. Mas ficou tão empolgado com a novidade que até namorou a moça, muito mal falada, por algum tempo. Só parou de vê-la quando ao saírem de um restaurante japonês na Liberdade, reparou que o cheiro do peixe continuava com eles. A moça cheirava a peixe.
João era muito tímido, mas quando conhecia realmente alguém era uma criança alegre e divertida. Disputavam, ele e um amigo, o amor de uma tal de Carol, que se divertia com os dois, um a cada dia, paquerando no seu portão pra rua. Um dia João perdeu a paciência ou interesse e a Carol ficou muito chateada.
Outro perfil de personagem, o do louco, ainda não estou preparado para criar, talvez pelo fato de ainda não ter a distância segura para criar tal personagem.
O louco, vocês veem por aqui, pelo narrador personagem, que sou eu. Quem dera fossemos todos loucos assumidos e assim não existiriam loucos abandonados.

VII
Mas existe uma coisa que posso fazer, não sobre o louco, sobre mim: Um dia com tamanho estímulo por seus hormônios ele saiu de bicicleta e foi se matricular no Remo da raia da cidade Universitária. Corria, corria, correu três São Silvestres, isto foi antes dele ser levado por aquela moça para dar uma volta de carro, depois de ter abandonado o teatro e não se lembrava mais da Carol.
Adorava pedalar pela cidade acordando, saindo da casa de seu pai, vendo as luzes laranjas tomando o horizonte e aos poucos tomando o céu a clarear. Se sentia vivo, subia ladeiras, estudava desenho. E de repente foi contratado para trabalhar como assistente de um cartunista, o qual era fã, desde criança.
Já não ia de bicicleta, pegava ônibus, mas conversava sempre com as mesmas pessoas que encontrava no ponto. Se preparava para ser cartunista, seu sonho. Foram dois anos que passaram rápido. Foi despedido.
Pensando em voltar pro remo, começou a fazer umas caricaturas nos bares próximo da casa de seu pai, onde estava morando para fazer cursinho. Em pouco tempo ganhava na rua em poucas horas de trabalho o seu antigo salario de assistente. Começou a fazer eventos. Ganhava muito bem por hora trabalhada. E largou o Remo e entrou pra faculdade.
Na faculdade, depois de tentar voltar pro teatro, estudava Sociologia, namorada oficial, a qual  teria um filho e se casaria por dois anos. Esse período era um período de festa e ainda não tinha tido seu primeiro surto, que só viria após a separação da mãe da sua filha e de sua filha.
Não sei se posso continuar, talvez seja cedo demais. Lembrar certas coisas causam um tufão que pode me sugar pra dentro. Vou tentar com cautela.

VIII
Bem, vamos lá!
Tudo começou quando, após uns meses de eu estar separado da mãe da minha filha, e da filhota, que sempre passava várias horas do dia comigo, se mudara para casa da avó materna, só passando a vê-las ocasionalmente nessa casa. A casa onde moramos juntos, uma casa alugada, ficou abandonada por mim, quase nunca recebendo visitas, a usando basicamente para dormir. Me sentia abandonado e realmente estava, me separara numa briga onde eu expulsara a Larisa de casa após ela confessar que estava saindo com um outro cara. O detalhe interessante é que ao ela contar na primeira vez concordamos em ficar junto, que tínhamos uma filha etc, fomos dormir, só depois acordei surtado, em parte já tomado pela minha doença, que nunca mais me abandonou.
Como dizia, após uns meses separado da Larisa e da filhota, passava mais tempo na faculdade evitando chegar em casa. Foi numa festa regada a maconha e álcool que após ficar sem dormir tive o inicio do meu primeiro surto psicótico. Durando uma semana até que de dentro do pronto socorro, fosse levado para casa de minha mãe, onde passados mais de dez anos ainda estou.
Acho desperdício de tempo tentar contar minhas “viagens” ou surtos psicóticos já que eles só fazem sentido para quem está “viajando”. Na verdade nem sei como começar. É tão confuso e denso, que depois que voltamos ao normal fica difícil descrever de modo claro.
Mas por incrível que pareça, são esses surtos que passaram a ser a minha vida, mais do que a vida normal. Na verdade oscilando entre as duas, mas sem conseguir abranger nem uma nem outra integralmente.
Gostaria de voltar à vida hoje, tanto quanto desejei estar no vórtice do meu último surto semanas atrás. Talvez seja impossível ter uma vida como há tive antes, como no caso do João. Talvez eu tenha que levar isso até o fim, com coragem e sem esperar caminhos fáceis. Talvez.
Essa conclusão deu fim prematuro ao livro, tornando-o um texto curto, não menos complexo sobre a questão da loucura. Gostaria que tivesse pelo menos dez páginas, mas acho que insistir nisso é tão ridículo quanto ficar olhando uma gordinha deliciosa sem fazer nada. Talvez por isso não faça nada, porque ainda sou o mesmo.

E o autor levantou de sua cadeira enfrente ao computador e foi comer alguma coisa.

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