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Mostrando postagens de junho, 2025

Bloco de pedra (poema)- Renê Paulauskas

Para que tudo esteja certo  É preciso uma base sólida Uma construção funcional Com arquitetura equilibrada  Que tenha um sentido civilizado Até surgir  Uma primeira rachadura  E tudo desabar

A morte (poema)- Renê Paulauskas

A morte choca Pois fica ali um buraco E a mente demora  A entender que não há mais vida Naquele corpo Tudo tão frágil  Nossa vida Mas logo desaparece E voltamos pro automático  Sempre indo Distraídos Como se fossemos eternos Até cair Levantar devagar  E viver em dois mundos Onde tudo flui  E onde não há vida Consciente de tudo Descansa seu corpo Até a próxima saída  Onde espera Não achar um gato morto Embaixo de seu automóvel 

O dia lá fora (poema)- Renê Paulauskas

O dia nasceu Agigantou-se pela tarde Puxando com raios solares toda sua gravidade E foi embora Eu preso aqui Qual um zumbi Vi tudo passar Sem nada fazer Olhos marejados de tanto olhar De mais querer De um quase tocar Viver por prazer E arde no peito O prumo cansado O destino falido Do dia lá fora Te espero outra hora!

Na cozinha (mini-conto)- Renê Paulauskas

Sentado em frente a mesa, com duas fatias de pão com manteiga na chapa e uma jarra de leite com chocolate quente, ia comendo os pães enquanto esfriava o leite até dar os primeiros goles. Foi assim que percebeu a ordem por trás das coisas. Tudo teria um modo certo de se acomodar no tempo e espaço. Porém a ação era necessária, aliada as condições naturais de temperatura e pressão, como as leis da física. Nesse momento não se sentiu só, mas em comunhão com o universo. Após acabar o lanche levou a louça até a pia, enchendo de água a jarra e o copo. Estava muito frio para lavar a louça.

Epifania invertida (mini-conto)- Renê Paulauskas

Ele sentia uma espécie de epifania invertida, explico. Acontecia das coisas aparecerem para ele depois dele as pensar. Isso causava uma pequena euforia e depois um breve mal estar. Como se as coisas não estivessem ordenadas em seu lugar. Isso acontecia com frequência, digo, a epifania invertida. Tinha duas teorias de como ocorriam. A primeira, de que esse mundo, diferente do que se imagina, é um sonho, e tudo decorre dos pensamentos.  Outra teoria, era de ele estava de alguma maneira ligado previamente aos acontecimentos futuros, num tipo de conexão sensorial com os acontecimentos desse mundo. Se sentia melhor com essa ideia, por ser menos radical e poder coexistir com um universo que existisse além dele. Mas de resto tinha uma vida normal, uma rotina leve e espírito tranquilo. Gostava de sua vida simples, de enxergar os detalhes das coisas e dar valor mais ao espírito do que as coisas materiais. Sentia-se bem com sua vida comum. Transparecia aos que não o conheciam, uma pessoa cen...

Psicofobia (poema)- Renê Paulauskas

A maioria dos meus amigos não entendem minha loucura Só os loucos entendem E isso é normal  Ruim é o preconceito  O julgamento como se você tivesse alguma culpa por ter surtado Isso magoa Porém não somos santos também  Também machucamos com nossa doença sem perceber  E é muito importante cuidar da saúde da mente pra evitar os ataques  Muitos se afastam Só restando quem realmente interessa Infelizmente ainda há muito preconceito 

Pregos (poema)- Renê Paulauskas

As palavras que machucam São como pregos Martelando em nossas cabeças  Dói na alma Pode vir de um amigo De um parente  Até de sua filha  Marca pra sempre Tirado o prego Fica um buraco Depois uma cicatriz  Que pode ainda doer Cuidar dessas feridas É trabalho  pra uma vida inteira Às vezes mais

A brisa da juventude (poema)- Renê Paulauskas

A brisa da juventude  É de uma intensidade E de uma inconstância  Que se fragmenta Em tantos pedaços  Que só  Uma vida inteira  Para juntá-los 

Em situação de rua (mini-conto)- Renê Paulauskas

Aqui em casa, eu e minha mãe, quase não saímos na rua. Hoje saí para pegar meus remédios diários e quando voltei reparei que tinha uma pessoa dormindo num colchão quase em frente de casa. Entrei pensando o que fazer, se dava assistência, oferecia uma água... Conversei com a vizinha e fiquei sabendo que a pessoa já estava lá há três dias, fiquei preocupado. Conversei com minha mãe e chegamos a conclusão que o certo era ir conversar e ver o que estava acontecendo. Levei uma garrafa de água e um sanduíche. Era um moço de uns trinta e poucos anos. Me chamou pelo nome, disse que era amigo da minha irmã. Pegou o colchão e pois na sombra e deu espaço para eu sentar. Disse que estava ali desde domingo, que lembrava da casa onde ele e as amigas da minha irmã brincavam de esconde-esconde. Que era irmão do Paulinho, filho do Jorjão, seu nome era Fernando, que morou aqui nessa rua até a adolescência. Que depois foi morar com uma tia e casa foi levada por uma enchente, tendo que morar na rua depois...

A guerra (poema)- Renê Paulauskas

Na guerra Quem perde É sempre o povo Que quase sempre Tem nada Ou muito pouco A ver com ela Se o mundo fosse justo Haveriam de guerrear Só os chefes das nações  Não existiriam tropas Só guerreiros naturais E o poder Estaria espalhado Distribuído  Em cada mãe  Pai Filho E amigos

Você (poema)- Renê Paulauskas

Tudo agora parece distante As pessoas, o mundo, a arte Como se restasse apenas um fio Onde respiro, penso, projeto  Um substrato longe da verdade O que é o mundo? O que são as pessoas? O que é arte? E me recolho à insignificância  Sento no chão  Respiro E me deleite com a magia De nada saber Até você me ligar

Violão (poema)- Renê Paulauskas

Minha arrogância  Foi querer tocar o violão  Sem nunca antes estudá-lo  Achei que seria fácil  Como a gaita Ou o improviso de letras e canções  Mas não  Se mostrou travado Limitado e fechado Com o tempo  Foi ficando mudo Quase sem função Encostado Hoje tenho por ele Um respeito profundo  O errado fui eu É um instrumento perfeito 

Portas da Percepção (conto)- Renê Paulauskas

I A Feiticeira  Tudo começou depois daquela maldita feiticeira me falar naquela noite que algo de muito ruim iria me acontecer.  Eu estava separado da minha mulher e de minha filha de dois anos, morando sozinho numa casa de fundo praticamente abandonada, o que mais de ruim poderia acontecer? Me desloquei de onde estava e fui o mais rápido para casa de meu pai, procurando segurança. Quando cheguei, estava com tanto medo, que um pequeno cachorro avançou em mim. ___Para Pluto! Estranho, ele nunca faz isso.___Disse a dona do cachorro. Entrei na casa do meu pai, não tinha ninguém. Ainda com medo comecei a rezar. Foi então que alguém entrou, era a empregada na cozinha. Fui conversar com ela e ela disse: ___Você é especial.___Me dando um beijo de língua. Me senti diferente. Uma espécie de euforia. E lembro que não dormi. Quando meu pai chegou de manhã ou estava totalmente delirante e falando sem parar. Foi o dia da final da copa do mundo. Estavamos na sala eu, papai e sua namorada e ...

Epifania (poema)- Renê Paulauskas

Lembro do meu primeiro milagre  Eu estava assustado De ter alcançado os céus  Tinha um hospício lá  Depois afundar no inferno  Tentei me matar De ser salvo pelos orixás  E voltar para casa Tão são e medicado  Que nunca mais vi mais nada Hoje sou poeta Pra tentar em vão alcançar  As coisas invisíveis  Desse mundo raso Não tenho vontade de voltar a ser cristo Esse tempo passou Mas a materialidade das coisas Às vezes cansa

Levemente (poema)- Renê Paulauskas

A vida é melhor que qualquer história  E pior também  Estou levemente embriagado Não o bastante  Pra variar minha escrita Essa que pouco alcança  A certeza dos astros  Nem a insignificância dos bichos das folhas Ou a minha própria  Que perdura no vazio  Nos segundos já contados Que ao encontrar outra figura Se espalha e transfigura Num oblíquo das horas Fundando a vida Que segue solta Até partir E ser Só Pulsando ativa Em sua rotina  Até o dia De voltar a sair E ser só E voltar a sair E ser  E voltar A só ser.

Meditação (poema)- Renê Paulauskas

Antes que a loucura te engula  Respire fundo Conte até dez Nem tudo no mundo  É o que parece Certezas atiçam Um corredor traiçoeiro  Que só leva a um lugar A falta de razão  Diga não! Respire fundo Não há mal que dure Ou perdure Tudo passa  Vai passar

Miguel (conto)- Renê Paulauskas

  Miguel   I Pequeno desenhista   Aos três anos viu seu pai traçar um círculo sobre o papel, puxar uma linha que se dividiu em outros dois traços, cortar essa linha acima por uma reta e fez dois pontos e um sorriso. Ao terminar o boneco desenhado parecia ter ganhado vida. Logo cedo ele queria aprender a fazer aquilo, desenhar. Conforme foi crescendo seu desenho foi melhorando. Ao aprender as palavras ia introduzindo junto aos personagens, criando cenas e depois cartuns.  Seu pai lia para ele os cartuns do Fradim, do Henfil, antes de dormir. Adorava, dava muitas risadas até pegar no sono. Passava horas criando histórias com desenhos e frases. Cenas que começavam com um desenho e acabavam virando piada de algo muito engraçado pra ele. Tinha já vários cadernos completos de desenhos. Quando via algum desenho, como um homem musculoso, pensava como desenhar os gominhos do abdômen.  Com sete anos, seu pai achava que não tinha mais o que lhe ensinar e o ...

O homem (poema)- Renê Paulauskas

Que grande bobagem o homem  insignificante ser nesse universo  Que reside num buraco negro Dentro de um multi verso  Mesmo assim acendeu a fagulha  Do possível fim da vida nesse planeta  O planeta há de se regenerar Mas o ser humano  Essa espécie vulgar Talvez sobreviva como seus ancestrais  Ratos no fundo da Terra 

Carne e azul (poema)- Renê Paulauskas

Aqui me escondo Atrás dessa pele grossa Desse corpo moribundo  Onde o vento  E as falésias Se chocam no mar azul  Sou como o violinista de Chagall Meio a meio Espírito e corpo Um dia o corpo fica  E vou Renovado e mais moço Seguir as delícias do corpo Mas que corpo? Acorda! Não é tarde Não é tarde ainda.

Marginais (poema)- Renê Paulauskas

Vivo na pele os marginais Os expelidos, arrancados, desprovidos Em suas chagas de violenta, violada e funda Desumanização  Para os que não olham os invisíveis Meu "Párias da civilização!" Nos amontoando em celas  pra deportação  Somos gente como vocês  Como há de ser toda gente De viver, amar, sonhar Por sermos de carne e espírito  Aos outros dou minha mão  Delicada, forte e certeira Como é cada mão Que se toca com afeto e aprovação 

Os gatos (mini-conto)- Renê Paulauskas

Os gatos dos vizinhos existem desde a época da nossa gata, Nina, que foi recolhida da rua pelo meu pai e minha irmã na casa do papai e trazida pra nossa casa quando minha irmã e a pequena gata preta ainda eram crianças.  Lembro que quando Nina cresceu um pouco e entrou no cio, fazia aqueles barulhos agudos e estava sempre pronta pra passear nos telhados, daqui ou dos vizinhos, que minha irmã não deixava, trancando-a a portas fechadas dentro de casa. Até um dia que Nina ficou grávida e nasceram três gatinhos que cresceram livres de telhado a telhado até sabe lá onde. Só nossa gata ficou. Minha irmã cresceu, saiu de casa, e nós ficamos com a Nina, que cuidava da casa e da intenção de invasão dos outros gatos dos vizinhos. Viveu até seus quase vinte anos. Foi aí, que os outros gatos, vendo a casa vazia, ou melhor, sem a Nina, começaram o ocupar o jardim da casa, e quando davam com nossa presença, saiam sorrateiramente. Essa relação não muito amigável entre os gatos e nós resultaram em...

Pequena luz azul (poema)- Renê Paulauskas

A letargia do conhaque amargo Deixa meu copo vazio  Minha alma Um copo vazio Desesperado em enche-lo  Paro num canto Sem poder cantar Escrevo Sem poder falar Quase catatônico  Viro poema de mim mesmo Mas ainda meio vazio Já um pouco cheio De alegria fugaz Como cabe nesse poema Então me volto e jogo tudo O silêncio  O copo A ilusão  E percebo uma luz ali distante  Pequena Confiante De que eu atravesse O terreno das ilusões  Multidões  E reserve um tempo pra nós dois O que farei Ninguém sabe Mas a pequena luz  Saberá