Portas da Percepção (conto)- Renê Paulauskas

I A Feiticeira 

Tudo começou depois daquela maldita feiticeira me falar naquela noite que algo de muito ruim iria me acontecer. 

Eu estava separado da minha mulher e de minha filha de dois anos, morando sozinho numa casa de fundo praticamente abandonada, o que mais de ruim poderia acontecer?

Me desloquei de onde estava e fui o mais rápido para casa de meu pai, procurando segurança. Quando cheguei, estava com tanto medo, que um pequeno cachorro avançou em mim.

___Para Pluto! Estranho, ele nunca faz isso.___Disse a dona do cachorro.

Entrei na casa do meu pai, não tinha ninguém. Ainda com medo comecei a rezar. Foi então que alguém entrou, era a empregada na cozinha. Fui conversar com ela e ela disse:

___Você é especial.___Me dando um beijo de língua.

Me senti diferente. Uma espécie de euforia. E lembro que não dormi. Quando meu pai chegou de manhã ou estava totalmente delirante e falando sem parar. Foi o dia da final da copa do mundo.

Estavamos na sala eu, papai e sua namorada e eu querendo conversar e meu pai querendo ver o jogo. Não sei o que me deu, falei:

___Você quer ver o jogo?___E passei o dedo na tela exatamente encima da bola até fazer o gol do Brasil, voltando a falar.___Agora podemos conversar.

Meu pai tomou um susto. Sua namorada falou:

___É brincadeira, Zé. É reprise.

___Não é reprise, é ao vivo!___Disse meu pai.

Sua namorada soltou um pequeno grito. 

E eu ouvi uma voz na minha cabeça dizendo: "Tem um novo jogador.___Dizendo meu nome."

No fim do dia meu pai já tinha ligado pra minha mãe e estavam todos preocupados comigo conversando na sala ao lado o que deveriam fazer em relação a mim. Foi então que vendo as silhuetas de suas sombras imaginei que eles pudessem não ser humanos e fugi. Arrebentei a linha de telefone e dei um salto pela escadaria até o portão da rua.

Eles chamaram a polícia e fui levado ao pronto socorro psiquiátrico.

Chegando lá um psiquiatra me fez algumas perguntas, mas ainda achava que era um alienígena falando comigo e fiquei calado.

Me sentia numa prisão, mas ao mesmo tempo meus pais iam todos os dias me visitar. Os antipsicóticos que me davam demoraram para começar a fazer efeito e ainda em delírio pensei ter curado um paciente e uma vez falei:

___Vois sois deuses! ___E imediatamente todos ficaram totalmente paralisados e fez-se um silêncio sepulcral.

Até minha mãe falar:

___Para com isso filho! Tá assustando as pessoas!___E todos voltaram ao normal.

Demorou uma semana até os remédios fazerem efeito e eu voltar pra casa. Ou melhor, voltei pra casa da minha mãe. 


II A Escadaria

Meu segundo delírio foi depois de já saber que eu tinha trastorno bipolar, quando estava trabalhando na casa do meu pai, me bateu uma saudade repentina da ex namorada depois de estar separado da mãe da minha filha.

Tentei ligar para ela, mas quem atendeu foi sua mãe. Expliquei que estava com saudades e pedi o endereço para fazer uma visita, elas tinham se mudado recentemente. Saí de casa decidido a encontrá-la. Peguei o ônibus até a estação de trem, fui barrado pelos seguranças. Peguei um ônibus. Depois outro ônibus. Desci. Fui tentar ir o resto do caminho a pé, fui barrado por um guarda noturno. Dei a volta. Nessa hora já deviam ser umas Três da manhã. Caminhei até amanhecer o dia, não achando o endereço. Detalhe, eu não tinha o nome da rua nem o número. Foi então que vi uma escadaria com degraus coloridos que parecia ser uma espécie de escadaria do conhecimento, de onde sairiam todas as coisas, dos primeiros degraus, se complexificando, degrau a degrau, até chegar ao topo, bem no alto. Fiquei alguns minutos, maravilhado, olhando aquela escadaria. Quando olhei pro outro lado um monte de micro ônibus com o nome do bairro da minha casa. Então voltei para casa.


III O Inferno 

Foi após sair de uma sessão de cinema de um filme sobre o inferno que literalmente comecei a enxergar as pessoas na rua e na televisão com os olhos brancos, sem iris. Como mortos vivos ou coisa parecida. Esse surto foi tão ruim, mas tão ruim, que tentei me matar.

A tentativa falhou e como num passe de mágica o surto desapareceu, com todos seus zumbis. Graças a deus nunca mais tive nenhum outro surto psicótico de depressão.


IV Os Orixás e a Cura

Já sem delírios, mas passando por uma fase de agressividade aguda do transtorno bipolar, a psiquiatra resolveu mudar minha medicação. Não contente, resolvi que fugiria de casa. Fui até a rodoviária e peguei o primeiro ônibus.

Chegando na praia, com apenas uma pequena mochila e uns trocados, comecei em vão a chutar uma tampinha de garrafa até perde-la e me sentir perdido sem ela. Anoiteceu e dormi na areia, próximo de algumas palmeiras. Foi então que de soslaio vi do mar chegarem três ou quatro deuses africanos, que tiravam de uma sacola umas minhoquinhas fosforescentes e as colocavam nas palmeiras e um deles, vendo que eu estava mal, colocou uma nas minhas costas, onde senti repuxar minha espinha dorsal e desmaiei.

No dia seguinte fui tomar banho de mar. Consegui dinheiro para voltar pra casa, mas antes perguntei ali na praia se tinha alguma cachoeira perto.

Peguei a trilha que desembocava numa cachoeira em frente a uma outra praia menor, e olhando pro chão, encontrei ali a tampinha que estava perdida.

Anoiteceu e voltei pra casa, nunca mais surtei. Hoje ainda moro com minha mãe, vejo minha filha sempre que dá, tenho uma vida normal. Às vezes sinto até um pouco de falta das loucuras de antes, mas estou bem, isso é o que importa.



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